12/08/2011 - 09:44

COMPARTILHE

Wadih debate gratuidade da Justiça

Jornal do Commercio

A assistência jurídica gratuita para quem não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de um advogado poderá ter regras mais restritivas, caso seja aprovado o Projeto de Lei 717/11, do deputado Vicente Candido (PT-SP), que tramita na Câmara dos Deputados. O texto determina que haverá a suspensão temporária ou o parcelamento dos pagamentos para quem antes podia ter a isenção total ou parcial das despesas judiciais, garantida pela Lei 1.060/50, que trata da hipossuficiência. Pelo projeto, a isenção total só será concedida quando não for possível o parcelamento integral em até 36 meses, o pagamento das despesas com desconto (isenção parcial) ou ainda a isenção parcial, com o pagamento do restante em parcelas.

O deputado alega que, como as pessoas de baixa renda adquirem produtos a prestações, elas podem também parcelar as despesas judiciais.

Isto, segundo ele, poderia atender às situações em que o solicitante não tem condições de pagar a despesa de uma só vez. Ele defende também que a atual lei não está de acordo com a Constituição Federal, artigo 5º, inciso 74 - que prevê a comprovação da situação de incapacidade financeira para quem quiser assistência jurídica integral e gratuita -, pois a presunção genérica de hipossuficiência estaria gerando abusos.

O projeto foi apensado ao Projeto de Lei 118/11, do deputado Hugo Leal (PSC-RJ), que exige apenas a comprovação de renda mensal inferior a dois salários mínimos para obter a assistência gratuita.

Eles serão analisados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara em caráter conclusivo, rito de tramitação pelo qual o projeto não precisa ser votado pelo plenário, apenas pelas comissões designadas para analisá-lo, a não ser que haja parecer divergente entre as comissões ou se, depois de aprovado ou rejeitado pelas comissões, houver recurso contra esse rito assinado por pelo menos 51 deputados (10% do total).

A Constituição Federal determina, em seu artigo n° 99, a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário, o que fez com que os próprios tribunais passassem a custear suas atividades.

Contas de luz, água, papel, informática e a construção de novos prédios, entre outras despesas, passaram a ficar a cargo dos tribunais, que só não arcam com a folha de pagamento de seus servidores, que cabe ao Poder Executivo.

Segundo o desembargador Milton Fernandes de Souza, presidente da Comissão Especial para o Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que trata da gerência desses recursos, a situação do fundo é mais difícil do que se imagina. Em 2009, dos 7.942.334 processos do acervo do TJ-RJ, 5.948.972 estavam incluídos no pacote da justiça gratuita, o que corresponde a 75% do total. Ou seja, o tribunal só teve 25% de arrecadação em processos para pagar as custas de todas as suas atividades, fora outras fontes. Em 2010, de 8.079.710 processos, 6.035.675 foram pela justiça gratuita; e este ano, até o mês de julho, de 8.107.365 processos do acervo, 5.936.026 foram com isenção de custos. Os números foram divulgados em reunião do Fórum Permanente de Direito Tributário da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), na última segundafeira.

De acordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), Wadih Damous Filho, presidentes de outras subseções da Ordem disseram que a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, principalmente no interior do estado, estava prestando assistência gratuita a pessoas que normalmente não se enquadrariam em critérios mais rígidos de isenção jurídica, pois moravam em boas residências e possuíam carros do ano. Isto, segundo Wadih, estaria gerando uma insatisfação dos advogados, que estariam preocupados com a perda de mercado e com uma desnaturalização da Defensoria Pública, no sentido de prestar assistência jurídica a quem não precisa, o que estaria onerando demais o órgão.

O cenário levou a Ordem a encaminhar à Defensoria Geral uma proposta mais rígida para regular a gratuidade do serviço, que seria condicionada à inscrição no Cadastro Único, regulamentado pelo Decreto nº 6.135/07 e coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). "Talvez, a partir daí, possamos fazer justiça com quem de fato precisa da gratuidade, porque não vai haver mais ônus ou abusos com as demandas teratológicas que hoje chegam", argumentou Wadih.

Para o defensor público geral do estado do Rio de Janeiro, Nilson Bruno Filho, os defensores públicos e o Judiciário já praticam severa avaliação de critérios para a concessão da gratuidade de Justiça, pois não há condições de se atender a todos. Segundo Nilson Bruno, o aumento da procura pela Defensoria Pública se deve, principalmente, por conta do nível técnico de seus funcionários e o cidadão tem o direto de escolher seu defensor, seja ele público ou privado. Além disso, de acordo com o defensor, fixar valores para a avaliação da gratuidade seria andar para trás, já que a nova ordem constitucional caminha no sentido de facilitar o acesso à Justiça.

"Dizer que com a restrição da concessão da gratuidade de Justiça as demandas judiciais diminuirão é no mínimo transferir o ônus das mazelas da máquina pública. Não posso entender como normal botar a conta desse pagamento no menos favorecido. Nos preocupa que toda essa normatização sobre essa formulação de critérios só venha para um lado, porque os ricos têm, por exemplo, sua liberdade provisória muito mais rapidamente avaliada do que os hipossuficientes", argumentou.

Ainda segundo o defensor público geral do estado do Rio, a tentativa de se estabelecer um salário limite para a obtenção da gratuidade é equivocada, pois "cada caso é um caso". Para ele, uma pessoa pode ganhar bem, mas estar endividada, ou passando por uma situação difícil, sem falar que o custo de vida pode ser mais caro em um lugar do que no outro. "O nosso assistido não procura a Defensoria Pública com um único processo.

Ele tem, algumas vezes, várias ações, seja como autor, seja como réu. É inadmissível que um réu que tenha vários processos contra ele, em comarcas distintas, mas que ganhe cerca de R$ 2 mil por mês (valor superior ao limite estipulado no Projeto de Lei 118/11, de dois salário, ou R$ 1.090), não seja detentor da gratuidade da Justiça", diz Nilson Bruno Filho, que . Segundo ele, essa pessoa ficaria sem defesa. "Isso iria contrariar a Constituição, que determina que o estado entregará à essa pessoa a possibilidade da defesa. O autor do Projeto de Lei 717/11 não tem a mínima noção do que é ser pobre nem o que é Justiça. A Defensoria Pública é a esperança de muitas pessoas", concluiu.
Abrir WhatsApp