30/03/2015 - 10:39

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Vítimas da ditadura mostram revolta com pedidos de intervenção militar

jornal O Globo

Em um supermercado da Zona Norte do Rio, Belmiro Demésio Berraro Filho, de 68 anos, ouve na fila uma mulher reclamando da corrupção no país. Em certo momento, ela se vira e diz que é a favor da intervenção militar, pedida por uma minoria durante manifestações do dia 15 de março em todo o país neste sábado (28) um pequeno grupo fez outra passeata pelo Centro do Rio. A reação foi contundente. "A senhora foi presa, perdeu filhos, pais, mães nos porões? A senhora não sabe o que está falando. Ditadura é a lei do inferno. Eles respondem com morte, com fogo, terror e maldade, lembra-se Belmiro, em entrevista ao O Globo.
 
Jane diz que foi detida três vezes durante a ditadura, teve de encarar uma das mais temidas prisões do período: o prédio do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS-RJ), localizado na rua da Relação. Quando foi presa pela primeira vez, tinha entre 16 e 17 anos.
 
"Fui presa porque, em uma, eu era militante da JEC [Juventude Estudantil Catolica], ligada à Teologia da Libertação. Na outra, porque era militante do movimento estudantil de resistência à ditadura. Em outra vez, dava aulas para pessoas carentes em Oswaldo Cruz. Fui presa pelo Cenimar [Serviço de Informações da Marinha] no prédio da Marinha, perto da Praca Mauá, e muito torturada", conta Jane, que diz sofrer até hoje com dores agudas e intensas pelo corpo, doenças autoimunes, instabilidade emocional e insônia.
 
Muitas dessas vítimas jamais tinham falado com qualquer pessoa sobre tortura" Vera Vital, psicóloga da Clínica do Testemunho
 
"Quem sofreu essa prática sádica e covarde luta cotidianamente para superar essa sensação de tristeza e revolta. As Clínicas do Testemunho têm dado uma colaboração fundamental na busca do fortalecimento e equilíbrio emocional. Queremos ainda a punição disso tudo."
 
"Tortura silencia. E o estado brasileiro não criou dispositivos para ouvir essas pessoas. É essa lacuna que queremos preencher, pedindo ao estado brasileiro que disponibilize esse dispositivo", afirmou o presidente da Comissão da Verdade do Rio, Wadih Damous, diz que a experiência das Clínicas do Testemunho deveria se estender a todo o território brasileiro. "A violência não foi só física, ela deixou sequelas psicológicas nos filhos, maridos, esposas que ficaram. No Chile é assim, na Argentina também e por disposição de lei. O estado lá tem obrigação de prestar assistência. E já passou da hora disso acontecer aqui." Recomendações da Comissão da Verdade Entre as 28 redomendações do relatório parcial da Comissão da Verdade do Rio, estão a criação de de Espaços de Memória sobre a ditadura em pontos estratégicos, como o DOPS/RJ, a Casa da Morte, em Petrópolis, a Ilha das Flores, em São Gonçalo, o estádio Caio Martins, em Niterói, entre outros.
 
A violência não foi só física, ela deixou sequelas psicológicas nos filhos, maridos, esposas que ficaram" Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio
 
Além disso, há a recomendação da tipificação do desaparecimento forçado, um dos métodos de repressão mais característicos da ditadura militar, e de retificação das certidões de óbito dos assassinados pelo regime com a real causa mortis. O documento também pede a extinção jurídica do termo auto de resistência, usado frequentemente para encobrir casos de abuso e execução de civis por agentes do estado. "São termos que mostram que a ditadura ainda vive em nossos tempos. São tempos passados que não passam", explicou Damous.
 
O documento ainda pede a revisão da Lei de Anistia, assinada em 1979, que perdoa os crimes cometidos por militantes políticos e agentes do estado durante a ditadura. A Comissão da Verdade do Rio, em seu relatório parcial, destacou momentos importantes, como o depoimento de Paulo Malhães, oficial que foi responsável, entre outros crimes, pelo desaparecimento do corpo de Rubens Paiva. A investigação descobriu, através do depoimento do coronel reformado Raimundo Ronaldo Campos, que confessou ter levado um carro a um ponto distante e o queimado. Depois, soube que aquilo havia sido feito para "justificar o desaparecimento de Rubens Paiva". Malhães, torturador confesso, deu detalhes no dia 11 de março sobre o destino do corpo de Rubens Paiva, que foi jogado em um rio de Itaipava, na Região Serrana do Rio. Pouco mais de um mês depois, foi encontrado morto em sua casa na Baixada Fluminense. A polícia concluiu, em julho do ano passado, que Malhães foi vítima de latrocínio.
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