24/09/2009 - 16:06

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TRT-PR tem primeiro juiz cego do país

TRT-PR tem primeiro juiz cego do país

 

 

Do Valor Econômico

 

24/09/2009 - O desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca pediu duas mudanças na sala que ocupa há pouco mais de um mês no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná. Instalou uma biblioteca com livros próprios e colocou na parede um quadro pintado pela mulher, artista plástica e estudante de direito. "Retrata uma tensão entre o amarelo e o preto e tem uma linha verde, de neutralidade", descreve o magistrado, primeiro cego a exercer a função no país.

 

Foi em frente ao quadro que ele mostrou para o fotógrafo que tinha clara a cena que estava sendo criada. "Posição de Napoleão?", perguntou, com a mão colocada sobre o abdômen. Fonseca nasceu após seis meses de gestação e teve retinopatia da prematuridade, que o deixou com pouca visão até os 23 anos de idade, quando deixou de enxergar completamente.

 

Ele já estava na faculdade de direito do Largo São Francisco, da USP, e contou com a ajuda de colegas para concluir o curso. Durante dois anos eles gravaram fitas com conteúdo de livros para que o jovem pudesse estudar.

 

A posse oficial de Fonseca como desembargador, na semana passada, contou até com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto. "Nunca fui à posse de nenhum desembargador", disse Lula, que quis estar presente "pelo simbolismo da conquista". Os que discursaram na noite falaram sobre a necessidade de vencer preconceitos. Para o magistrado, tratava-se da realização de um sonho. "Aos 50, começar uma carreira é muito bom", diz ele, que tentou ser juiz em 1990, em São Paulo, mas depois de passar em duas fases foi impedido pela comissão de concurso, que apontou a cegueira como um problema.

 

Fonseca lembra que, na ocasião, o atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Eros Grau, o ajudou no recurso contra a decisão e o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, organizou ato público em seu favor. Como a decisão não foi revertida, o advogado tentou carreira no Ministério Público do Trabalho e foi procurador por 17 anos, em Campinas (SP) e em Curitiba. Até mudar de função pelo quinto constitucional, que permite a renovação dos tribunais por profissionais indicados.

 

Ele fez parte de uma lista sêxtupla para o TRT, teve o nome mantido na lista tríplice e foi escolhido pelo presidente Lula para ocupar o cargo de desembargador.

 

"Fui escolhido pelo meu currículo", afirma ele, que fez mestrado na USP e doutorado na Universidade Federal do Paraná. Para facilitar a execução das novas atividades, Fonseca convidou o advogado Célio Furlan, com quem já havia trabalhado em São Paulo, para ajudá-lo a redigir, revisar votos e fazer a leitura dos processos. "Leio o dia inteiro", diz o agora assessor jurídico, que busca o magistrado em casa para o trabalho, faz com ele o trajeto a pé, entre os prédios usados pelo TRT em Curitiba, e o atualiza sobre as notícias do dia.

 

Furlan, único não concursado da equipe do magistrado, divide a tarefa de ledor com outras oito pessoas. "A leitura é seletiva e rápida", explica Fonseca, que não conhece o alfabeto braile e, em breve, vai aprender com um estudante de direito com deficiência visual a ler por meio de programas de computador.

 

"Os processos vão se tornar digitais e isso vai me ajudar", afirma.

 

Ele lembra que conhece bem o conteúdo da Constituição, do Código de Processo Civil e da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), além da jurisprudência.

 

No TRT, os julgamentos são colegiados, com três decisões de desembargadores.

 

Fonseca faz parte da 2a turma e, no primeiro mês de trabalho, atuou em cem casos como relator e em 150 como revisor - são 28 desembargadores na corte -, mas pretende aumentar o ritmo.

 

Questionado sobre a responsabilidade do julgamento, ele mostra tranquilidade. "Confio na minha qualificação. Tenho 25 anos de experiência." Os diplomas ele levou para as paredes do TRT e tem numa mesa esculturas que representam a Justiça, cega, para tratar a todos com igualdade. Fonseca gosta das obras, mas não concorda totalmente com o conceito. "É preciso ser imparcial, mas olhar para a realidade que nos cerca", diz. "Posso errar, sou falível, mas tenho muita responsabilidade." Vez ou outra Fonseca cita Suzana, com quem está casado há 23 anos e tem duas filhas, Maíra e Iara, uma já formada em direito. É a esposa quem descreve as cenas de filmese paisagens e lhe permite falar da tal posição de Napoleão, além de auxiliar na escolha do figurino.

 

Ele a conheceu quando tocava violão e contrabaixo para ganhar dinheiro, na juventude. "É minha musa." Nas últimas semanas, o magistrado se deparou com casos de pessoas que procuraram a Justiça porque estão com Lesão por Esforço Repetitivo (LER), porque sofreram discriminação no trabalho, assédio moral ou foram fraudados pelo empregador. "Também conheço o lado bonito de empresas que abrem portas para deficientes", acrescenta. Sobre o futuro, ele diz que "quer trabalhar bem" no TRT. Depois, quem sabe, fazer pós-doutorado na Europa.
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