25/09/2012 - 09:20

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TJ-SP: Herzog morreu vítima de 'lesões e maus-tratos' no DOI-Codi

jornal O Globo

O juiz Márcio Martins Bonilha Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), determinou ontem a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, morto nos porões da ditadura militar em outubro de 1975. Com a decisão, o motivo da morte do jornalista será modificado de "asfixia mecânica" para "morte que decorreu de lesões e maus-tratos sofridos na dependência do II Exército de São Paulo (DOI-Codi)".
 
O magistrado atendeu a pedido feito, no final do mês passado, pela Comissão Nacional da Verdade, por solicitação da família do jornalista. Em sua decisão, o juiz destacou que a Comissão da Verdade conta com respaldo legal para praticar atos compatíveis com suas atribuições, dentre os quais "a reconstrução da história".
 
 Magistrado que determinou alteração em atestado de óbito atendeu a pedido feito pela Comissão da Verdade
"À luz do julgado na ação declaratória, que passou pelo crivo da Segunda Instância, por meio do reconhecimento da não comprovação do imputado suicídio, fato alegado com base em laudo pericial que se revelou incorreto, impõe-se a ordenação da retificação pretendida no assento de óbito de Vladimir Herzog", ressaltou.
 
A recomendação de modificar o atestado de óbito foi decidida pela Comissão da Verdade, de forma unânime, no dia 27 de agosto. A versão dos militares era a de que o ex-diretor de jornalismo da TV Cultura havia cometido suicídio nos porões do DOI-CODI. O jornalista compareceu, em 24 de outubro de 1975, para depor no II Exército de São Paulo. No dia seguinte, foi apresentado como morto por enforcamento, morte que, segundo os militares, teria sido cometida com o seu próprio cinto.
 
A viúva do jornalista, Clarice Herzog, também requereu à Comissão da Verdade a reabertura da investigação sobre a morte de Vladimir Herzog. Em sentença judicial de 27 de outubro de 1978, o juiz federal Márcio José de Moraes determinou, com base no Código de Processo Penal, a retomada das investigações sobre o caso, em ação judicial na qual Clarice Herzog, responsabilizava o estado pela prisão e homicídio. A família pediu o cumprimento da ordem judicial, ignorada na época, por meio da Comissão da Verdade. Ivo Herzog, filho do jornalista, alega que o governo da época não contestou a decisão do juiz , proferida antes da promulgação da Lei da Anistia, em 1979.
 
Estamos em cima daqueles que foram financiadores dos órgãos de repressão
 
Temos de fazer um escracho oficial
 
José Carlos Dias
membro da CNV
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) vai investigar empresas e empresários que ajudaram a financiar o aparato de repressão durante o regime militar no Brasil. Integrantes da comissão informaram ontem que a primeira a ser investigada é uma consultoria que atuou em São Paulo nos anos 70, com o nome de CIA, arrecadando recursos entre as grandes empresas para patrocinar órgãos clandestinos, como a Operação Bandeirante (OBan). A arrecadação dos recursos seria clandestina. A CIA, segundo a comissão, já teria encerrado suas atividades.
 
"Estamos em cima daqueles que foram financiadores dos órgãos de repressão. Todos nos lembramos que, no período (Fernando) Collor, PC Farias tinha uma empresa que dava falsas assessorias para as empresas. Existia a mesma coisa por parte dos empresários no período (ditadura). A CIA prestava assessoria econômica e recebia o dinheiro", disse o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, membro da Comissão da Verdade.
 
Militares: documentos foram queimados
 
Além de buscar financiadores dos aparelhos de repressão, a comissão pretende encontrar e ouvir militares afastados das funções durante o regime militar. A ideia é buscar informações sobre responsáveis por crimes da ditadura, uma vez que há dificuldade de diálogo com os comandantes das Forças Armadas. A maior parte das requisições da CNV é sucedida de uma resposta padrão, de que os arquivos foram incinerados.
 
"A dificuldade maior é com os militares. Não estamos encontrando no Ministério da Defesa as facilidades que tivemos com o Itamaraty", afirmou Dias. "Queremos fixar a responsabilidade pela incineração dos documentos".
 
Ontem, em São Paulo, Dias, a advogada Rosa Cardoso, a psicanalista Maria Rita Kehl e o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro fizeram um balanço sobre os quatro meses de trabalho da Comissão da Verdade. Para Maria Rita Kehl, a comissão deve esclarecer a tortura e os crimes da ditadura como "uma política de Estado, apontando as cadeias de comando".
 
"Temos de fazer um escracho oficial", disse o ex-ministro Dias, referindo-se ao movimento de "escracho" dos agentes da ditadura promovido pelo Levante Popular da Juventude.
 
A Comissão da Verdade quer acelerar investigações já em curso, como a das ossadas da vala clandestina de Perus, em São Paulo. Descobertas nos anos 90, as ossadas aguardam identificação. A CNV explicou que, a seu pedido, a Polícia Federal vai comprar uma máquina de identificação por DNA mitocondrial, de alta tecnologia, que custa cerca de R$ 2 milhões. O aparelho será usado para pesquisar as ossadas dos cemitérios de Perus e Vila Formosa, em São Paulo.
 
A Comissão Estadual da Verdade de São Paulo vai centrar investigações em 140 casos de ativistas políticos mortos ou desaparecidos em órgãos de repressão. A lista apresentada ontem à imprensa inclui também militantes paulistas que foram mortos em outros estados. A comissão nacional vai amparar as investigações, emprestando seus poderes de convocação de testemunhas e de acesso aos arquivos de Estado para acelerar as investigações, que contarão com o apoio do Ministério Público. Uma das atribuições do trabalho será providenciar os atestados de óbito devidamente corrigidos dessas vítimas.
 
Militares são o maior obstáculo para trabalho da Comissão
"É um absurdo. Em alguns atestados, está marcado como profissão da vítima: terrorista", queixou-se o presidente da comissão estadual, o deputado Adriano Diogo.
 
A comissão estadual reivindica também, ao lado da CNV, que prédios que foram utilizados pelos órgãos da repressão sejam convertidos em memoriais das vítimas da ditadura.
 
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