06/06/2013 - 18:15 | última atualização em 06/06/2013 - 18:17

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STJ manda que Gmail entregue dados arquivados nos EUA

revista eletrônica Conjur

Uma decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça chegará até o Vale do Silício, nos Estados Unidos. Em julgamento de Questão de Ordem em Inquérito, no mês de abril, os ministros condenaram a Google Brasil a quebrar o sigilo de e-mails de um investigado de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes. Para isso, a filial deve entrar em confronto com a matriz nos Estados Unidos, onde estão guardadas as informações e, pela lei, os dados não podem ser divulgados. 
 
Segundo a companhia, seria impossível romper o sigilo do serviço de e-mails, o Gmail, sem afrontar as normas dos Estados Unidos, onde a divulgação dos dados é vedada. A defesa da Google sugeriu a alternativa diplomática para conseguir as informações, por meio do acordo de assistência judiciária em matéria penal, que vigora entre Brasil e Estados Unidos (Decreto 3.810/2001).
 
Email a ser aberto é de investigado de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes
Outro argumento é de que a Google Brasil e a matriz americana são duas pessoas jurídicas distintas, que não compartilham bancos de dados. A filial brasileira estaria, nesse sentido, de "mãos atadas" para seguir a determinação judicial. De acordo com a defesa, a legislação americana só deixa brechas em situações de perda de vida ou graves danos físicos a terceiros.
 
O Ministério Público Federal, responsável pelo Inquérito 784/DF, foi o autor da Questão de Ordem ao tribunal superior. O MPF alegou que a trasmissão de material entre as unidades do mesmo grupo empresarial com exclusiva finalidade de entregá-lo à autoridade judicial não viola a soberania do Estado estrangeiro. O usuário dos e-mails é investigado por formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa, fraude à licitação, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e tráfico de influência. 
 
Regras pátrias
 
O caso exemplifica a polêmica sobre a interferência judicial, ainda não detalhada pela legislação brasileira, para requisitar a entrega de dados virtuais. Na avaliação da ministra Laurita Vaz, que relatou o caso, a expectativa é conseguir provas na troca de mensagens pelo Gmail. "O que se pretende é a entrega de mensagens remetidas e recebidas por brasileiros em território nacional, envolvendo supostos crimes submetidos induvidosamente à jurisdição brasileira", ressaltou a ministra. 
 
Laurita Vaz afastou o argumento do recurso diplomático. O fato de estarem guardadas em outra nação, justifica a relatora, não transforma as informações em material de prova estrangeiro. "A ordem pode ser perfeitamente cumprida, em território brasileiro, desde que haja boa vontade da empresa. Impossibilidade técnica, sabe-se, não há", ponderou. Como a filial foi constituída sob as regras brasileiras, a ré está impedida de recorrer às leis estrangeiras para desobedecer à demanda judicial.

"Não se pode admitir que uma empresa se estabeleça no país, explore o lucrativo serviço de troca de mensagens por meio da internet - o que lhe é absolutamente lícito -, mas se esquive de cumprir as leis locais", escreveu a ministra. Por maioria, o colegiado acompanhou o entendimento da relatora. O prazo para cumprimento da ordem é de dez dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, como pedido pelo Ministério Público Federal.
 
Os Embargos Declaratórios, interpostos em maio, foram rejeitados pelos ministros por unanimidade. A filial brasileira da corporação já entrou com um Mandado de Segurança no STJ contra a quebra de sigilo, ainda pendente de análise, sob relatoria do ministro Arnaldo Esteves Lima. A defesa da companhia também estuda outras formas de recorrer da decisão.
 
Sete chaves

Caso exemplifica polêmica sobre interferência judicial, ainda não detalhada pela legislação brasileira, para requisitar entrega de dados virtuais
O debate sobre a proteção de informações na internet é capaz de fazer convergir diferentes ramos do
Direito. Na área criminal, por exemplo, a regulação dos dados serve para provar delitos ou resguardar as vítimas. Por um lado, órgãos de investigação querem ampliar cada vez mais o acesso. Por outro, tanto as leis quanto a jurisprudência ainda engatinham ao delinear parâmetros no uso do material online.
 
O livre-docente em Direito Processual Penal da USP Gustavo Henrique Badaró lembra que a questão não se limita aos episódios de crimes virtuais. "Postagens nas redes sociais e até dados de localizadores de veículos são requisitados para ajudar nas investigações e julgamentos", conta o especialista, que participou, nesta quarta, dia 5, do encontro "Estado e Cidadão: Novos Desafios Jurídicos para a Proteção de Dados no Brasil", na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. "A produção de provas no meio digital ainda gera dúvidas", diz.
 
A hipótese de conseguir dados sem o aval de um magistrado é vista com ressalvas. Nos Estados Unidos, um projeto de lei tem dividido opiniões dos parlamentares: o Cyber Intelligence and Protect Act. Se aprovado, permitirá às agências de inteligência pedir informações aos provedores de internet e serviços de telecomunicação ou fazer varredura em bases de dados sem mandado judicial. Como várias empresas virtuais têm sede em território norte-americano, a proposta ameaça a proteção de dados virtuais de cidadãos de outras partes do mundo.
 
Entre as normas brasileiras, a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/2012) foi a primeira a tratar expressamente da possibilidade. Em seu artigo 17-B, o texto diz que a autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado sobre "qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito." 
 
A advogada Denise Vaz tem receios sobre a tendência de flexibilização. "Por mais que os juízes não tenham critérios bem definidos para determinar a quebra de sigilo, o cenário piora se não é necessária a autorização da Justiça", pondera a especialista, doutora pela USP na área de provas digitais no processo penal, que também discutiu o tema na FGV.
 
A extensão dos dados considerados cadastrais também preocupa. "Não fica claro, por exemplo, se isso inclui a senha ou o IP [Internet Protocol, número que identifica os computadores na rede] do usuário", afirma Badaró. Na falta de regulamentação abrangente sobre o assunto, a postura das empresas virtuais varia: parte delas atende aos pedidos de investigação sem mandado judicial e outras aguardam ordem clara dos tribunais antes de liberar dados dos usuários.
 
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