22/01/2014 - 13:34

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'Sociedade esquece que não tem pena de morte', diz Maíra Fernandes

redação da Tribuna do Advogado

Advogada criminal, a carioca Maíra Fernandes, de 32 anos, é a primeira mulher a presidir o Conselho Penitenciário do Estado do Rio. Também é coordenadora-geral do Fórum Nacional de Conselhos Penitenciários, criado ano passado, faz parte do Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher e da Comissão de Segurança Pública da OAB.
 
Em entrevista ao jornal Extra, ela falou sobre a questão dos presos provisórios, que correspondem a cerca de 40% da população carcerária, o número insuficiente de defensores
 
O número de presos provisórios no Brasil chega a 40%.
 
É um número muito, muito alto. As pessoas estão presas e não têm sentença condenatória. No Brasil, prende-se demais porque se acredita que a prisão é o melhor método. Mas o crescimento da população carcerária já mostra que esse não é o caminho. Esquece-se que prisão antes da sentença é exceção e não regra. E para ser decretada, por exemplo, se tiver risco da pessoa sair do país. Além disso, o problema se dá na entrada do sistema e na saída. Uma pesquisa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostrou que 16% dos presos condenados tinham direito a benefícios que não estavam sendo concedidos. Com isso, muitos ficam mais tempo na prisão do que deveriam.
 
A Lei de Medidas Cautelares é de 2011, mas um estudo feito no Rio mostrou que o número de prisões provisórias não vem caindo muito.
 
A lei é taxativa: serão presos os que cometerem crimes dolosos e que terão pena privativa superior a quatro anos e aqueles que cometerem violência doméstica, por exemplo. Mas a mentalidade do Judiciário e da população é de que prisão resolve. Fui ver o dado do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e, em 2012, dos 548 mil presos, 54.803 eram presos com pena até 4 anos. Isso dá 10% da população carcerária. O Brasil tem a falsa ideia de que quem está preso é muito perigoso. Mas se somarmos homicídio, homicídio qualificado, sequestro e cárcere privado são 67.736 presos. Presos por furto simples, que não tem violência ou grave ameaça, são 38.027 pessoas.
 
Não se aplica a Lei de Medidas Cautelares porque existe a cultura de que prisão é regra. Sabe-se que mesmo cumprindo medida cautelar que a pessoa pode ter a prisão decretada a qualquer momento, mas ainda assim é ela presa antes de responder ao processo. Existe juiz que até decreta fiança, mas o valor é alto, a pessoa não pode pagar e vai presa. E olha que a reincidência de quem cumpre pena alternativa é muito mais baixa do que a de quem fica preso, que fica entre 70% e 80%.
 
As defensorias estão abarrotadas. Como isso prejudica quem depende do serviço?
 
Não há defensores para todas as delegacias do estado do Rio, por exemplo. Se o preso em flagrante não tem um advogado, ele depende da defensoria. Como não tem para todos, muitas o defensor só fica sabendo da situação de quem foi preso quando o processo chega até a vara criminal. Isso leva alguns dias. Sem a presença do defensor é mais difícil que os juízes apliquem as medidas cautelares. Isso cria a situações como a de um rapaz que ficou preso provisoriamente por dois anos e acabou tendo a absolvição pedida pelo Ministério Público.
 
A senhora costuma visitar presídios. O que tem visto?
 
Toda vez que visito, eu ouço os presos e converso com suas mães. A pena não pode passar da pessoa condenada. Mas condena as mães também. É difícil entender que a pena vá além da pessoa na prisão. Eu sempre saio pior. Dá uma sensação de impotência, de enxugar gelo. Se fizessem Justiça, a maioria não estaria lá.
 
Uma parcela da sociedade acredita que as pessoas devem mesmo ser presas. O número alto de presos no Brasil reflete isso?
 
A sociedade quer que presos sejam tratados como insetos, sem o mínimo de dignidade. É cultural, e isso demora mudar. Parece medieval, parece que querem ver quem vai ser enforcado em praça pública. Defendem que as prisões sejam terríveis. Defendem que vivam sem condições de higiene, e aí a pessoa vai sair pior. Vai sair doente, vai circular.
 
A senhora acredita que as pessoas esqueçam que os presos acabam saindo da prisão?
As pessoas esquecem que não temos prisão perpétua nem pena de morte. Eles vão sair. E vão sair piores porque falta perspectiva ao egresso do sistema. A sociedade recrimina preso não ter emprego, mas é a primeira a fechar as portas. É difícil a pessoa virar a página. Como uma das minhas funções é prestar apoio aos presos, sem romantismo, digo que é possível recomeçar. Pessoas presas por crimes contra o patrimônio ou pequeno tráfico, se aparece a oportunidade de emprego, elas aceitam.
 
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