25/01/2017 - 11:20 | última atualização em 25/01/2017 - 11:18

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Sem verba, abrigo do estado para idosos vive de doações

jornal O Globo

Carlos Alberto Ferreira era um senhor introvertido que, pouco a pouco, começou a perder a clareza. No último sábado, à tarde, sentou-se na área externa do pavilhão onde mora no Abrigo Cristo Redentor, em Higienópolis, e acendeu um cigarro. Outros internos dizem que ele havia ingerido bebida alcoólica, apesar da proibição. Ninguém sabe ao certo como aconteceu, mas seu corpo foi tomado pelas chamas. Levado para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, não resistiu aos ferimentos.
 
Funcionários e internos do abrigo acreditam que, indiretamente, a morte de Carlos Alberto, de 70 anos, tem ligação com a crise do estado, que se reflete de forma dramática no local. Na semana passada, cem dos quase 200 funcionários do Cristo Redentor, que mantém 250 idosos, foram demitidos e estão cumprindo aviso prévio. Segundo a ONG Obra de Promoção dos Jovens, que administra o lugar, a ordem para a demissão partiu do governo. O fato é que, sem receber salários há dois meses, alguns funcionários deixam de ir ao trabalho por não terem sequer dinheiro para a passagem. Pode ter faltado alguém para ver que Carlos estava em perigo.
 
Protesto de funcionários
 
Os idosos que se mantêm lúcidos sabem que o Cristo Redentor vive um momento ruim. A empresa que preparava e servia as refeições rompeu seu contrato com o estado em novembro. Desde então, sem uma substituta para a função, o abrigo só consegue alimentar os internos com a ajuda de doações. Quem prepara a comida são funcionários desviados de outras funções e voluntários. Ontem, foi servido frango, arroz, feijão e purê de batata ou macarrão, ovo cozido e feijão.
 
Ao assumir a gestão do lugar, há um mês, o diretor Rogério Nascimento tentou resolver o problema das refeições convocando uma reunião com o Ministério Público. Há alguns dias, conseguiu que a Justiça obrigasse o estado a regularizar os pagamentos para o abrigo e a fornecer as seis refeições diárias.
 
Na semana passada, funcionários pararam o trânsito da Avenida dos Democráticos, onde fica o abrigo. Sem forças para protestar, muitos idosos fizeram um abaixo-assinado, pedindo pela permanência dos trabalhadores demitidos.
 
No terreno do abrigo, apesar de as instalações estarem bem cuidadas, chama a atenção o acúmulo de lixo no terreno, o mato alto e vários buracos em locais usados pelos idosos. Um deles, com catarata, reclamou do problema e disse que tem medo de cair.
 
Ontem, a Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos disse que propôs à prefeitura a municipalização do abrigo. A pasta alegou que recebe recurso federal para a ONG, mas o repasse está irregular. Sobre o contrato das refeições que foi suspenso, o estado disse que "não houve interesse" da empresa em continuar com o serviço.
 
Quanto à morte de Carlos Alberto, a 21º DP (Bonsucesso) informou que começou a investigação, e, se for constatada negligência, pode responsabilizar funcionários do abrigo. O boletim de ocorrência diz apenas que Carlos foi vítima de "queimadura por álcool" e que morreu no hospital.
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