28/09/2011 - 10:31

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Punição a juízes provoca crise na cúpula do Poder Judiciário

jornal O Globo

No centro de uma crise que abala a cúpula do Judiciário, a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, está fazendo um levantamento de todos os magistrados que respondem ou foram alvo de sindicâncias e de processos disciplinares desde a fundação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2005. Com o dossiê, ela pretende mostrar que a referência que fez a "bandidos escondidos atrás da toga", em entrevista à Associação Paulista de Jornais, não é genérica, mas tem nomes e sobrenomes. A iniciativa da ministra acontece na véspera da sessão em que o Supremo Tribunal Federal deverá julgar uma ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) questionando se o CNJ tem ou não poderes para investigar e punir juízes.

As declarações sobre "bandidos de toga" tornaram a sessão de ontem no CNJ uma das mais tensas da história do conselho. Irritado com o que lera, o presidente do Conselho, ministro Cezar Peluso (também presidente do Supremo), convocou, logo ao chegar, uma sessão administrativa entre os 13 conselheiros presentes, a portas fechadas, para cobrar uma retratação de Eliana Calmon e produzir uma nota oficial contestando as declarações da corregedora. Ao fim de três horas de reunião, durante a qual foi possível ouvir, em alguns momentos, bate-boca em tom alto, Peluso só conseguiu um dos objetivos: divulgou a nota de repúdio, mas a corregedora não apenas se recusou a assiná-la como não recuou nas declarações.

Na entrevista à associação paulista, ao criticar a resistência dos tribunais a serem fiscalizados pelo CNJ, Eliana Calmon disse que essa atitude "é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga". Ela também citou problemas que o conselho teria enfrentado, no passado, para fiscalizar o Tribunal de Justiça de São Paulo: "Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o Sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ."

Peluso condena acusação de Eliana

Visivelmente nervoso na sessão administrativa, Peluso disse que a ministra não poderia ter dado uma declaração tão genérica, considerada por ele afrontosa não só a toda a magistratura brasileira, mas à própria República. A nota de repúdio, que Peluso fez questão de ler na abertura da sessão plenária, diz que as declarações "publicadas de forma generalizada ofendem a idoneidade e a dignidade de todos os magistrados de todo o Poder Judiciário", razão pela qual o CNJ, "no exercício do dever constitucional de velar pela integridade da magistratura, repudia veementemente acusações levianas e que, sem identificar pessoas e nem propiciar qualquer defesa, lançam sem prova dúvidas sobre a honra de milhares de juízes que diariamente se dedicam ao ofício de julgar com honestidade e imparcialidade, garantindo a segurança da sociedade e a estabilidade do estado democrático de direito, e desacreditam a instituição perante o povo".

A nota, que não cita o nome da ministra, não foi assinada por ela e por outros dois conselheiros que não estavam presentes, ontem, no CNJ. A adesão da maioria, contudo, não representa o isolamento da ministra. Logo depois, ao divergir na sessão plenária do conselheiro Tourinho Neto, relator do processo administrativo disciplinar contra o desembargador fluminense Roberto Wider, que pediu o arquivamento do caso, ela foi acompanhada por outros dois conselheiros, Wellington Saraiva (representante do Ministério Público na composição do Conselho) e Marcelo Nobre (Câmara dos Deputados). Mas a votação do caso foi interrompida porque o ministro Carlos Alberto Reis de Paula pediu vista.

A crise enfrentada por Eliana Calmon expõe a guerra que divide a cúpula do Judiciário desde que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) decidiu provocar o Supremo sobre os limites da atuação do CNJ em casos disciplinares envolvendo juízes. Para observadores, as declarações podem influenciar a postura dos ministros no julgamento. Preocupada, a corregedora procurou evitar novas polêmicas. Embora não tivesse recuado na posição sobre a impunidade dos magistrados, disse a interlocutores que lamentava apenas a referência ao Tribunal de Justiça de São Paulo, segundo ela "pinçada da entrevista". Ela garante que, atualmente, a postura do tribunal paulista é de colaboração e parceria com a fiscalização do CNJ.

Corregedora não 'camufla' suspeitos

Outra preocupação foi afastar as críticas sobre o tom genérico de suas palavras. Para isso, encomendou aos funcionários do conselho um levantamento completo de todos os juízes investigados e processados pelo CNJ desde 2005. Ao contrário de Peluso, que, mesmo em sessões plenárias de processos que são públicos, só cita as iniciais dos magistrados sob suspeita (Wider, por exemplo, é "R. W."), Eliana faz questão de dar nomes e sobrenomes, como pretente fazer com o dossiê, cujo destino ainda não está decidido.
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