29/01/2016 - 11:35 | última atualização em 29/01/2016 - 11:46

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Próximo líder da OAB, Lamachia é conhecido por perfil de mediador

revista eletrônica Conjur

Em 2009, no meio de seu mandato como presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS) e após ter avançado consideravelmente na implantação do sistema de processo eletrônico e-Proc, o desembargador Vilson Darós anunciou ao então presidente da Seccional do Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Pacheco Prates Lamachia, que a partir de fevereiro de 2010, as varas sob seu comando passariam a aceitar apenas peças digitais. Papel, apenas nos casos que já estavam em andamento nessa data.
 
A mudança radical não agradou Lamachia. Porém, em vez de levantar o tom ou ameaçar ir à imprensa criticar a medida, o advogado calmamente, mas com firmeza, explicou por que se opunha a ela — pelo fato de o e-Proc ainda apresentar irregularidades, pelo breve período de adaptação e pela dificuldade de os profissionais mais velhos se acostumarem com o sistema eletrônico. Embora tenha compreendido as razões do presidente da OAB-RS, Darós não arredou pé. Diante dessa postura do líder do TRF-4, Lamachia acatou sua decisão. Tempos depois, reconheceu que o desembargador federal estava certo, e elogiou publicamente o e-Proc e os efeitos dele na Justiça Federal gaúcha.
 
Com 55 anos, Lamachia é visto como alguém duro na defesa dos interesses da advocacia, mas que não perde a ternura no trato com autoridades, servidores públicos e organizações da sociedade civil — e sabe reconhecer seus erros. E espera-se que ele imprima esse estilo ao Conselho Federal da OAB, o qual passará a liderar a partir de 1º de fevereiro, uma vez que é o único candidato à presidência da entidade nas eleições que ocorrerão em 31 de janeiro. 
 
À frente da instituição após dois anos como vice-presidente, o advogado buscará repetir o sucesso de sua gestão na OAB-RS, que durou dois mandatos (2007 a 2012). Quando foi eleito presidente, a seccional estava quebrada: 47% dos associados estavam inadimplentes com as anualidades, e havia uma dívida em aberto de R$ 30 milhões. Graças a diversas reformas, os débitos foram quitados, e esse índice caiu para 13%. Em parte por causa do saneamento financeiro, Lamachia foi considerado em 2012 o melhor presidente de todas seccionais da OAB, com 93% de aprovação, de acordo com levantamento do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe).
 
Mas esse reconhecimento não se deve apenas à sua austeridade fiscal. Quando assumiu a presidência da OAB/RS, Lamachia se espantou com o péssimo estado de conservação de sua sede, no centro de Porto Alegre. Para mudar essa situação, no início de 2007 o advogado convidou o recém-eleito presidente do Conselho Federal, Cezar Britto, para ver de perto a gravidade da situação. Após guiar o visitante por ambientes poeirentos, com vidros sujos e fios desencapados, Cláudio Lamachia pediu ajuda financeira da OAB nacional para recuperar as instalações da filial gaúcha. Como método de persuasão, deu um presente inusitado a Britto: um envelope com centenas de milhares de cupins recolhidos dos móveis do escritório.
 
A estratégia funcionou, e o Conselho Federal liberou a verba requerida. Dois anos e alguns meses depois, na inauguração da nova sede da OAB/RS, Cezar Britto devolveu a Lamachia o envelope com os cupins, dizendo que o gesto simbolizava a mudança dos tempos. Desde então, os insetos viraram amuleto do advogado, que os guarda em um vidro âmbar na gaveta de seu escritório, conforme a história relatada pelo site Espaço Vital.
 
Os feitos mais importantes de Lamachia à frente da entidade, no entanto, beneficiaram diretamente os advogados e a sociedade gaúchos. Uma das principais conquistas para a sua classe foi a das férias de fim de ano. Desde 2006 — antes, portanto, de assumir a presidência da OAB-RS — ele já tentava assegurar o recesso com suspensão de prazos processuais. Aos poucos, a pressão foi dando resultado.
 
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi o primeiro a acatar esse pedido em 2007, e outras cortes, como o TRF-4, o Tribunal de Justiça Militar e o Tribunal de Contas do Estado, não demoraram para seguir o exemplo da Justiça Comum. A medida foi copiada por outros estados, e acabou inserida no Novo Código de Processo Civil, que garante o descanso profissional entre 20 de dezembro e 20 de janeiro.
A atenção dispensada aos advogados do interior do estado foi outro ato de empoderamento da classe.
 
Em seis anos, o futuro presidente da OAB-RS rodou mais de 500 mil quilômetros pelo Rio Grande do Sul – a dedicação ao trabalho faz com que seja conhecido como “Lamachina”, conta o atual presidente do Conselho Federal, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. Nessas viagens, o advogado estabeleceu o costume de convocar reuniões com advogados, juízes, promotores e defensores públicos. Depois de escutar atentamente as críticas e sugestões deles, ele decidia como melhorar a situação de tal cidade. Algumas das ações para tanto foram o restabelecimento de repasses a subseções e a inauguração de novas sedes, o aparelhamento de salas de serviço e a transmissão dos cursos da Escola Superior de Advocacia para todas as 106 filiais interioranas.
 
Questões gerais

Nem todos os atos de Lamachia visaram apenas aos advogados. Sob seu comando, a OAB-RS se uniu ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul para reabrir hospitais públicos que estavam fechados por atraso de salários e más condições, como o Hospital Independência da Ulbra e o Hospital Luterano, ambos em Porto Alegre. O atual presidente da OAB-RS, Ricardo Ferreira Breier, que presidiu a comissão de Direitos Humanos da seccional durante os dois mandatos de Cláudio Lamachia, afirma que os atos selaram uma união de advogados e médicos gaúchos que dura até hoje. Outra categoria que se aproximou da advocacia foi a dos engenheiros, devido às medidas para mostrar ao governo estadual as más condições dos presídios locais.
 
Revoltado com a baixa qualidade da telefonia celular na região, o então presidente da OAB-RS requereu em 2012 a suspensão da venda de novas linhas enquanto as operadoras não apresentassem um plano de melhorias. O Procon atendeu a esse pedido temporariamente, e a Anatel se comprometeu a instalar novas antenas. Porém, não ocorreram grandes avanços, e Lamachia continuou manifestando sua raiva contra esses serviços na vice-presidência do Conselho Federal. Em 2013, ele afirmou que “telefonia celular no Brasil só funciona nos presídios”, e defendeu a extinção da Anatel “por sua leniência e omissão” quanto ao estado das telecomunicações.
 
No Conselho Federal, ele coordenou campanhas pela valorização dos honorários advocatícios, relata Marcus Vinicius. O atual presidente ainda aponta que seu sucessor foi “fundamental” no desenvolvimento do processo judicial eletrônico (PJe) e na ampliação do clube de serviços da categoria. Um exemplo desta prática é o convênio firmado pela OAB com a TAM, que garante descontos em passagens aéreas e pacotes turísticos a advogados.
 
Trânsito com autoridades

A personalidade afável e atenciosa de Cláudio Lamachia faz com que ele tenha canais de diálogo com representantes dos poderes Executivo e Legislativo, tanto em nível estadual quanto federal.
 
Lamachia é próximo dos senadores gaúchos Lasier Martins (PDT) e Ana Amélia (PP), e do ex-governador e senador Pedro Simon (PMDB). Martins, inclusive, chegou a convidar o advogado para ser seu suplente, mas logo desistiu por perceber que ele tem “preparo muito superior” para se restringir a ser substituto parlamentar.  
 
Para o senador do Rio Grande do Sul, Lamachia conseguirá emplacar projetos de lei no Congresso Nacional de interesse da advocacia por sua entrega ao trabalho e habilidade nas comunicações pessoais. E o parlamentar já deixa claro que servirá de “ponta de lança” dele no Senado, ajudando-o a mostrar aos demais membros da casa os benefícios das propostas e a angariar votos para aprová-las.
 
A ex-governadora do Rio Grande do Sul Yeda Crusius (PSDB) relata que teve várias divergências com Lamachia durante seu mandato (2007-2010), mas destaca que ele sempre foi respeitoso e aberto ao diálogo. Segundo ela, o ex-presidente da OAB/RS também teve uma boa relação com a Assembleia Legislativa do estado durante sua gestão.
 
A despeito da proximidade com o poder (ou por causa disso), Cláudio Lamachia não tem preferências políticas. “Lamachia não é nem de direita nem de esquerda, é homem de resultados”, define Lasier Martins. Conforme explica o senador, ele é contra o “Estado máximo” e a política do “toma lá, dá cá”. Marcus Vinicius Furtado Coêlho diz que a ideologia de seu sucessor “é a Constituição Federal”.
 
Um dos exemplos da neutralidade do advogado é a faxina que promoveu quando assumiu a Ordem gaúcha, conta Ricardo Breier. Na ocasião, quase todos os dirigentes da entidade eram filiados a agremiações políticos. Lamachia então fez questão de cortar laços com essas legendas, para evitar que a OAB-RS fosse acusada de servir a interesses partidários. Devido a essa postura imparcial, tanto Marcus Vinicius quanto Breier garantem que o futuro presidente do Conselho Federal não está assumindo a liderança da advocacia em busca de uma carreira política ou cargos públicos.
 
Diálogo com o Judiciário

Mesmo com adversários tradicionais da advocacia, como o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria, Cláudio Lamachia possui uma relação de camaradagem e cooperação. O desembargador federal aposentado Vilson Darós classificou como “excelente” a dinâmica que teve com a OAB-RS enquanto era presidente do TRF-4. “Lamachia é uma pessoa afável, dinâmica, que tenta resolver os problemas que eventualmente surgem, e não criar novos. Se ele continuar a trabalhar em consonância com os magistrados ao mesmo tempo em que lidera os advogados, tenho certeza que o Judiciário brasileiro terá um salto de qualidade”, avalia.
 
O ex-presidente do TJ/RS Arminio José Abreu Lima da Rosa tem opinião semelhante. A seu ver, o advogado é “impregnado do espírito de buscar o melhor para a realização da Justiça como um todo”, e compreende as razões apresentadas por juízes, promotores e defensores públicos. Por causa dessa atitude, o desembargador acredita que ele será um “grande presidente do Conselho Federal”.
 
Outro aspecto de Lamachia que facilitava o diálogo com outras instituições era a sua serenidade e capacidade de ouvir, ressalta a ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) Cleusa Regina Halfen. De acordo com ela, essa postura ajudou a obter as férias para advogados na corte e a solucionar greves de servidores.
 
Público e privado

Na vida de Cláudio Lamachia, o sangue jurídico pesou na hora de definir a profissão e até na escolha de sua mulher: “Meu tataravô era advogado, assim como meu bisavô, meu avô, meus tios, meu irmão, minha esposa, e até o pai e o avô dela”, disse à revista Consultor Jurídico em 2010. Por isso, decidiu cursar Direito e se formou há 30 anos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Após se graduar, abriu duas frentes de exercício da advocacia: uma privada e uma pública. Naquela, se especializou em Direito Empresarial e passou a trabalhar no escritório do avô, o Pacheco Prates & Lamachia Advogados. Nesta, foi aprovado em concurso e se tornou advogado do Banco do Brasil (ele está afastado deste cargo há 14 anos para exercer atividade associativa de classe). 
 
Esse deslocamento provisório já gerou polêmica no passado. Em 2009, o então diretor jurídico do Banco do Brasil acusou Lamachia de receber salário da instituição financeira sem trabalhar. Em sua defesa, o presidente da OAB-RS na época alegou que tinha direito à licença remunerada e afirmou que os ataques “injustos e inverídicos” poderiam ser justificados pela proximidade das eleições da OAB na época.
 
A acusação contra Cláudio Lamachia aconteceu durante um imbróglio envolvendo o Banco do Brasil e funcionários da instituição. Segundo o banco, Lamachia utilizou uma ação na Justiça em defesa de interesses corporativos. O presidente da OAB/RS na ocasião disse que estava apenas representando os interesses do quadro de empregados da empresa.
 
Ele mesmo admite que seu foco é a atividade de classe: “Tenho uma veia muito forte nessa questão”.
Polêmicas e conflitos

Como líder de uma grande entidade, Cláudio Lamachia acumula polêmicas. Uma delas foi a proposta de criação de uma nova categoria da advocacia: a dos estagiários bacharéis, que englobaria aqueles que se formaram, mas não passaram no Exame de Ordem. Pelo projeto, eles continuariam exercendo funções de estagiário, como assessoria e consultoria, por mais dois anos depois da formatura, porém, sem poder advogar ou assinar pareceres e petições. O objetivo seria manter esses profissionais no mercado de trabalho.
 
No entanto, a medida foi encarada com resistência pela advocacia e até pela magistratura. O então presidente do Conselho Federal, Ophir Cavalcante, ponderou que "isso pode trazer uma precarização da advocacia" e que a ideia dificultaria a fiscalização da atividade pela OAB. Já o líder na época da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e atual presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Paulo Dimas, opinou que, para auxiliar os advogados, já existem os estagiários, e não há necessidade de acirrar a competição entre eles.
 
Por causa da falta de consenso, a proposta acabou sendo deixada de lado. Em 2014, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou uma medida semelhante: o Projeto de Lei 5.479/13, que regulamenta a função do paralegal. Em uma mudança de opinião, Lamachia atacou a iniciativa: “É um absurdo legislativo, um passo atrás para a qualificação da carreira jurídica no Brasil”. A proposta ainda espera análise do Senado.
 
Em 2012, Lamachia comprou briga com os juízes do trabalho gaúchos por causa dos honorários advocatícios. Entendendo ser abusiva a cobrança de verbas contratuais por advogado indicado por sindicato, magistrados passaram a cancelar tal cobrança. O fundamento deles era a Lei 5.584/1970, a qual determina que o trabalhador pobre tem direito à isenção de custas processuais e honorários periciais e advocatícios.
 
Diante dessas decisões, o então presidente da OAB-RS lançou nota pública conclamando advogados a denunciarem essas “iniciativas judiciais autocráticas, denotadoras de abuso de autoridade”. A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (RS) não ficou calada, e argumentou que os juízes devem decidir livremente sobre honorários, de maneira a evitar que procuradores virem “sócios de ações” e amealhem até 50% do valor da causa.
 
Lamachia então contra-atacou sustentando que magistrados não podem se intrometer nas relações entre cliente e advogado, e defendendo a legalidade das verbas pactuadas com trabalhadores via sindicato: "Não se trata de dupla cobrança e, sim, de uma cobrança única formada por valores que possuem mais de uma procedência — honorários contratuais e de Assistência Judiciária".
 
Contrariamente ao apregoado por economistas ortodoxos e pela maior parte da imprensa, Cláudio Lamachia sugeriu flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) para melhorar o funcionamento da Justiça. Em sua visão, o Judiciário não pode se submeter a mecanismos planejados para o Executivo e o Legislativo. Por causa dessa imposição, por exemplo, a Justiça gaúcha não pode preencher 1,6 mil cargos vagos, apontou em 2012.
 
Já na vice-presidência do Conselho Federal, ele elogiou a criação de quatro tribunais regionais federais, dizendo que eles aliviariam o sistema. Mas o então presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Joaquim Barbosa, atacou a medida, dizendo que ela violava a Lei de Responsabilidade Fiscal. Posteriormente, ele cancelou liminarmente a instalação dessas cortes — e o processo está parado há mais de dois anos e meio.
 
Essa não foi a única vez que os dois estiveram em lados opostos de uma discussão. Em uma sessão do CNJ em 2013, o conselheiro Wellington Cabral Saraiva, afirmou que a resolução do TJ de São Paulo que reservava o período das 9h às 11h para serviços internos faria com que os advogados tivessem “suas manhãs perdidas". Barbosa então respondeu, em tom de galhofa: “Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?”.  
 
A tirada não teve graça para Lamachia. Pelo Twitter, ele protestou: “Até parece que somos nós que temos dois meses de férias! Para nós, que temos prazos a cumprir, não sobra tempo para piadas”. Mostrou, ali, que a cordialidade pela qual é conhecido só é direcionada àqueles que tratam a advocacia com respeito.
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