15/01/2019 - 18:16 | última atualização em 18/01/2019 - 16:41

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Proposta de importar plea bargain forçaria advocacia a se reinventar

redação da Tribuna do Advogado

Clara Passi
O novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, defendeu, durante a cerimônia de posse, no dia 1º, que o Brasil deveria inserir em sua legislação criminal um expediente semelhante ao plea bargain americano. Trata-se de um acordo penal em que os réus negociam com promotores do Ministério Público Federal a confissão de crimes em troca de penas menores, antes mesmo da abertura de uma ação penal. O trato preveria, também, uma imediata aplicação de pena, precedida de uma confissão. O objetivo da proposta que Moro anunciou que enviará ao Congresso é desafogar o Judiciário.

plea bargain à brasileira se aplicaria a qualquer crime de furto, assalto, homicídio ou corrupção cometido por uma única pessoa sem o envolvimento de organizações criminosas. Atualmente, esse tipo de acordo só se aplica no Brasil a crimes de menor potencial ofensivo como, por exemplo, lesão corporal leve.
 
"Haveria uma necessidade de uma outra abordagem por parte dos advogados face a esse novo instituto"
Diogo Tebet
presidente da Comissão de Processo da Penal da OAB/RJ
Para o conselheiro e presidente da Comissão de Processo da Penal da OAB/RJ, Diogo Tebet, a medida forçaria a advocacia a se reinventar. “Haveria uma necessidade de uma outra abordagem por parte dos advogados face a esse novo instituto. Seria uma revolução, uma mudança brusca de paradigma à qual a advocacia teria que se adequar caso o instituto fosse positivado em lei”, prevê ele.

Esses acordos com o MPF deverão ser feitos obrigatoriamente com a participação de advogadas ou advogados, frisa o criminalista Thiago Bottino. “Por se tratar de uma medida de natureza criminal, a defesa é indispensável e seria inconstitucional admitir a imposição de penas, ainda que alternativas, sem que os acusados estivessem assistidos por um advogado”.

Os especialistas concordam que a medida, que teria um impacto sensível no processo penal brasileiro, precisaria ser amplamente discutida antes de ser implementada.  “É uma medida precipitada. Os sistemas americanos e brasileiro são diferentes na origem - um deriva da Common Law e o outro, da Civil Law - e na estrutura. É uma importação que precisa ser precedida de um debate amplo da comunidade jurídica, com audiências públicas feitas por Ministério Público, Ministério da Justiça ou Câmara dos Deputados”, diz Tebet.

Para Bottino, é fundamental que esse “transplante jurídico” ocorra de forma que possa se adaptar à nossa realidade. “Assim como um transplante de órgãos exige uma série de exames de compatibilidade, um transplante jurídico também exige que se compreenda que os sistemas jurídicos são diferentes. Introduzir um “corpo estranho” sem ter isso em conta pode simplesmente produzir o efeito inverso, piorando nosso sistema de justiça”.
 
A paridade de armas que o processo penal brasileiro preza ficaria seriamente afetada pelo protagonismo excessivo da acusação em detrimento do lado defensivo, alerta Tebet. Isso se agravaria pela forma como o direito de defesa no Brasil está estruturado.

“A Defensoria Pública tem deficiência de pessoal. Os defensores têm dificuldade de acompanhar o processo, de se reunir com o cliente para averiguar as provas produzidas. Para os réus mais vulneráveis, a introdução desse sistema teria o potencial de afetar uma proposição de pena justa", diz ele. “Temos uma investigação policial muito ruim, que se baseia muito em confissões e provas testemunhais. Com a adoção do sistema negocial, você estaria colocando um peso maior na confissão, abreviando a investigação, levando-a a um nível mais raso. Isso poderia gerar distorções graves no nosso sistema penal e afetar as garantias processuais do cidadão”.
 
Tenho a firme convicção que os acordos não podem jamais implicar na prisão, mas apenas em penas alternativas
Thiago Bottino
criminalista
Nos Estados Unidos, a imensa maioria dos crimes federais é resolvida com acordo (97%, diz Tebet). O resto vai para julgamento. Naquele país, no entanto, há juízes que são contrários ao sistema de plea bargaining por acreditarem que é fonte de injustiças.
 
 “Os réus são compelidos a aceitar uma pena menor se confessarem, para não correrem o risco de uma condenação maior em juízo. Então, vê-se o Ministério Público dos Estados Unidos forçar um pouco mais a busca do acordo para ter menos processos e mais agilidade, às vezes forçando a pessoa a aceitar uma pena injusta por medo de uma pena maior. Isso causa confissões não necessariamente fidedignas”.
 
Bottino lembra que uma das críticas mais severas ao modelo de acordos nos EUA é que ele afeta de forma mais intensa a população afro-descendente, mulheres, população LGBTQI e os pobres. “Mas considero que nosso sistema penal atual também opera de forma seletiva, atingindo esses grupos vulneráveis de forma muito mais grave. Por essa razão, tenho a firme convicção que os acordos não podem jamais implicar na prisão, mas apenas em penas alternativas”, analisa ele.
 
Como o acordo é feito sem um exame aprofundado das provas e com participação reduzida da defesa, sem as garantias processuais, Bottino considera que ele deveria ter os mesmos limites que já são impostos hoje para as transações penais (acordos que o MP faz com os suspeitos da prática de infrações de menor potencial ofensivo).
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