12/04/2009 - 16:06

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Projeto que cria fiança milionária causa polêmica

Projeto que cria fiança milionária causa polêmica

 

 

Do jornal O Globo

 

12/04/2009 - Mais do que acabar com a prisão especial, o projeto que muda as regras da liberdade provisória, aprovado no Senado e ainda pendente de votação na Câmara, torna mais caro o instituto da fiança. O valor da fiança poderá chegar a R$ 93 milhões, dependendo da situação econômica do preso.

 

O valor provocou indignação no mundo jurídico, que classifica a medida como demagógica, mas é defendido pelo Ministério da Justiça. O teto originalmente proposto pelo governo foi de R$ 9,3 milhões, um décimo do valor no qual a fiança agora pode ser arbitrada.

 

"Valor é extravagante até para os padrões internacionais" O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, considera a ideia uma forma de condenação prévia, pois inviabiliza o direito à liberdade, mesmo para pessoas ricas.

 

"Isso é inviabilizar a liberdade do cidadão, é uma pré-condenação. Se dermos uma olhada, a maioria das pessoas que precisa pagar fiança tem poder aquisitivo menor. Até mesmo um grande empresário não pode gastar uma quantia dessas, porque precisa do dinheiro para produzir", protesta o juiz Valadares.

 

O advogado criminalista Alberto Zacarias Toron, secretário adjunto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), concorda: "Se a fiança é fixada num patamar muito alto, não pode ser paga. Esse é um valor extravagante, até para os padrões internacionais. Eu vejo como demagógica essa ideia de fixar uma fiança tão elevada que, na verdade, significa uma negativa à liberdade".

 

Na realidade, o projeto estabelece que a fiança pode variar de um a 200 salários mínimos, de acordo com a pena atribuída à infração ou ao crime cometido, mas prevê que o juiz poderá dispensá-la, reduzila em até dois terços ou aumentála em até mil vezes - o que, pelos valores de hoje, pode elevá-la a R$ 93 milhões.

 

No projeto original do governo, enviado ao Congresso em 2001, o juiz poderia multiplicar o valor por cem, mas o relator no Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), fez a mudança.

 

 

Ministério da Justiça discorda das críticas

 

O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, não concorda com as críticas ao teto da fiança no projeto aprovado pelo Senado. Ele argumenta que, se o valor não for expressivo, o instituto não cumpre a sua função de garantir o bom andamento do processo.

 

Abramovay disse que o governo apoia o valor aprovado no Senado, mas não fará disso um cavalo de batalha na votação da Câmara - que pode retomar o texto original: "Perdemos a cultura da fiança porque os valores são muito baixos. Não podemos tratar de forma igual os desiguais. O Brasil é um país de grandes desigualdades. Um valor pode ser pesado para quem não tem dinheiro, mas irrelevante para quem tem".

 

Segundo ele, sempre que a fiança for mal aplicada e inviabilizar o direito à liberdade, caberá recurso à Justiça. O governo espera concluir a votação do projeto - que altera o Código de Processo Penal - até o fim de maio. Embora a fiança cause polêmica, a parte do projeto que muda as regras da prisão preventiva é bem recebida no meio jurídico. A redução das prisões provisórias é prioridade para o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

 

 

Quase metade dos presos do país são provisórios

 

Dados do CNJ mostram que, dos 462.803 presos no país, 212.436 (46%) não foram condenados e estão presos provisoriamente.

 

A expectativa do governo é que, dentro de dois anos, os efeitos sejam sentidos e o total de presos provisórios seja reduzido em pelo menos 50 mil.

 

Pelo texto, a prisão preventiva será tratada como medida excepcional, só cabível quando houver impossibilidade de aplicação de outra medida cautelar, como comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso a lugares determinados, proibição de contato com determinada pessoa, recolhimento domiciliar no período noturno e em dias de folga e impedimento de viajar, inclusive com apreensão do passaporte.

 

Abramovay acha que, em alguns casos, a pena preventiva é mais dura do que a definitiva, deixando o sistema "disfuncional e injusto": "A ideia é não pôr na cadeia pessoas que não deveriam estar presas".

 

A proposta de substituir prisões preventivas por penas restritivas de liberdade foi elogiada pelo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares: "A prisão preventiva não é antecipação de pena. É para pessoas que põem em risco a ordem pública, que podem coagir testemunhas, podem fugir. A pena restritiva de liberdade é interessante, porque evita pôr mais um detento no sistema penitenciário, que está falido".

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