13/10/2015 - 10:07

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Projeto da Câmara torna mais difícil controle de armas

jornal O Globo

O primeiro efeito imediato do projeto que desfigura o Estatuto do Desarmamento, em análise na Câmara dos Deputados, será eternizar a posse de 631.144 armas de fogo no país. Esse é o número de registros ativos na Polícia Federal, segundo dados obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação. No Rio, são 33.029 armas cadastradas na PF, que faz controle da posse concedida a civis, tais como pessoas físicas, órgãos de segurança pública não militares, empresas privadas de vigilância e órgãos públicos.
 
A posse, que hoje tem de ser renovada a cada 3 anos, pode se tomar definitiva se for aprovado o texto original do projeto, que deve ser votado na comissão especial da Câmara no próximo dia 20. O ponto é um dos mais polêmicos do relatório, de autoria do deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), que já está na sétima versão, tamanha a falta de consenso em tomo do tema. Diretora-executiva do Instituto Igarapé, que trabalha temas relacionados à violência, Ilona Szabó critica a proposta de alteração:
 
"É fundamental que a periodicidade da renovação seja mantida. Atualmente, é no momento da renovação que se verifica, por exemplo, se a arma ainda está com o proprietário, é feita a comprovação da idoneidade e dos antecedentes criminais, bem como a capacidade técnica e psicológica para o manuseio de armas de fogo", afirma ela. "Se devemos renovar periodicamente nossa permissão para conduzir automóveis, fazer vistoria em carros, como não exigir a periodicidade do registro da posse de armas de fogo?"
 
Na opinião de Ilona, o controle de armas é uma etapa fundamental para a redução da violência letal no Brasil, que faz cerca de 58 mil vítimas por ano, dos quais 70% são assassinados com o uso de arma de fogo. Ela defende a facilitação do processo de renovação da posse, com mais informatização, mas preservando a obrigatoriedade de revalidar o registro periodicamente. Dona cita o Reino Unido como um bom exemplo, por ser um país com regulação restrita de armas e munições onde a validade da posse é de 5 anos.
 
Para o deputado Carvalho, entretanto, o Estatuto do Desarmamento, atual legislação de controle de armas no Brasil, em vigor desde 2003, não foi capaz de inibir a violência. Ele destaca que o objetivo do seu relatório é desburocratizar os processos para aquisição das peças, o que "não significa vender ou distribuir armas em qualquer esquina" Com regras mais flexíveis, o parlamentar diz acreditar que será possível legalizar as armas que atualmente circulam na clandestinidade.
 
"Acima de tudo, defendo que as mais de 600 mil armas já devidamente registradas no Brasil mantenham sua validade permanente. O cadastro dessas armas já tramitou em sua totalidade, não há motivo para que o cidadão refaça todo o processo", defende Carvalho.
 
Importação de armas facilitadas
 
De acordo com o balanço da Polícia Federal, quase metade (47,1%) das 631.144 armas com registro ativo está nas mãos de pessoas físicas. Entre os estados com o maior número de registros para o cidadão comum estão São Paulo (46.828), Rio Grande do Sul (41.473), Minas Gerais (30.923), Santa Catarina (27.387) e Paraná (26.252).
 
O segundo maior volume de armas cadastradas na PF é para empresas de segurança privada: 38% do total. A pedido dos funcionários dessas firmas, o projeto tem um capítulo específico sobre a segurança privada, de modo a facilitar que os vigilantes consigam o porte de arma para se defenderem, mesmo fora de serviço. Órgãos civis de segurança pública são responsáveis por 8,1% dos registros na PF. Os cerca de 7% são pulverizados entre órgãos públicos, lojas de armas, entre outros.
 
No texto que será votado na Câmara, várias categorias profissionais conseguiram garantir a prerrogativa de porte funcional, tais como agentes de trânsito, advogados da União e motoristas de caminhão. Outros pontos do relatório que vêm sendo questionados é a diminuição de 25 para 21 anos da idade mínima para comprar armas e o aumento de 3 para 5 anos da validade do porte.
 
Governo prepara decreto
 
Nem mesmo a bancada da bala, que domina a comissão, entrou em consenso a respeito de determinados pontos do relatório, o que levou a votação a ser adiada desde o dia 10 do mês passado. Um dos itens mais controversos é a facilitação da importação de armas. A proposta contraria a indústria local, que financiou a campanha de alguns dos deputados da comissão.
 
Na tentativa de barrar o avanço do projeto que esvazia o Estatuto do Desarmamento, pronto para ser votado em comissão especial da Câmara, o governo Dilma Rousseff prepara um decreto para ampliar a validade da posse de armas, de 3 para 5 anos. Essa é uma das propostas do texto que já foi encaminhado pelo Ministério da Justiça à Casa Civil.
 
A explicação do governo para a mudança é que o prazo atual de 3 anos para renovação da posse de arma não coincide com a validade do atestado de manuseio técnico, que é de 5 anos. O desencontro de datas, a partir da primeira renovação, desestimularia muitos proprietários a manter suas armas legalizadas, empurrando-os para a clandestinidade.
 
O governo prega que as mudanças já vinham sendo discutidas há algum tempo internamente e que servirão para fortalecer o controle de armas no país, e não para atender reivindicações da bancada da bala. De acordo com o secretário de Assuntos Legislativos do( Ministério da Justiça, Gabriel de Carvalho Sampaio, é natural que uma legislação passe por aperfeiçoamento: "Já temos maturidade para fazer ajustes necessários na lei, visando o cidadão de boa fé que tem porte ou: posse para sua segurança pessoal,além de outras situações pontuais", explica Sampaio.
 
O texto do decreto passou pelo Ministério da Defesa antes de ser encaminhado à Casa Civil. O Exército tem mostrado preocupação com a proposta que esvazia o Estatuto do Desarmamento na Câmara, especialmente porque traz regras que facilitam a importação de armas e munições, o que prejudicaria a indústria, nacional de defesa, da qual empresas públicas fazem parte.
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