11/10/2017 - 16:55 | última atualização em 11/10/2017 - 17:05

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O programa de integridade no Rio de Janeiro - Maís Moreno

redação da Tribuna do Advogado

Foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e encaminhado para análise do governador o Projeto de Lei 2.041/2016, que dispõe sobre a instituição de programa de integridade nas empresas que contratarem com o estado do Rio de Janeiro. Apesar de elogiosa a iniciativa, a Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico da OAB/RJ entende que o texto do projeto merece algumas melhorias. Em artigo, a integrante do grupo Maís Moreno propõe algumas contribuições.

O programa de integridade no Rio de Janeiro
Maís Moreno*
 
Está sob análise do governador do Estado do Rio de Janeiro o Projeto de Lei nº 2.041/2016, que dispõe sobre a instituição de programa de integridade nas empresas que contratarem com o poder público. O texto, já aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), além de impor a essas empresas a adoção do mencionado programa, estabelece uma série de medidas que visam a proteger o Estado contra prejuízos financeiros, além de dificultar a corrupção, dar maior transparência aos processos, melhorar a qualidade e o desempenho nas licitações, dentre outras novidades.

Apesar de elogiosa a iniciativa, a Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico da OAB/RJ entende que o texto do projeto merece algumas melhorias e propõe, em síntese, as seguintes contribuições.
O projeto está inserido em um contexto de esforço legislativo para a incorporação de medidas de incentivo e indução à integridade, sobretudo após a edição da Lei nº 12.846/2013 e sua regulamentação.

Nessa conjuntura, além da legislação já existente, tramitam perante o Senado e na Câmara dos Deputados alguns projetos de lei, dentre os quais destacam-se o PLS nº 60/2017, o PLS nº 435/2016, o PL nº 7149/2017 e o PLP nº 303/2016, e identificam-se também proposições de alteração legislativa promovidas pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA).

O PL nº 2041/2016, tal como se encontra, revela iniciativa mais ambiciosa do que a observada em outros projetos de lei e iniciativas em curso, uma vez que, no geral, eles tão somente incentivam a adoção de programas de integridade ou restringem sua implantação obrigatória para contratações de grande porte. Na maior parte das vezes, não exigem a implementação do programa de integridade e, quando o fazem, não abarcam as contratações públicas de forma tão ampla. Igualmente nesse sentido, a legislação estrangeira incentiva a adoção do compliance sem torná-la, entretanto, obrigatória: seja por extinção da punibilidade, redução da pena ou pela criação de obrigações de registro, fiscalização e reporte de não conformidades.
A iniciativa mais semelhante ao projeto de lei em estudo foi proposta pela ENCCLA e refere-se à Ação nº 5, de 2016.

No âmbito das reuniões da ENCCLA, decidiu-se priorizar o incentivo à alteração legislativa para tornar obrigatória a adoção de programas de integridade em contratações públicas de valor superior a R$ 30 milhões, com a possibilidade de certificação destes programas por entidades privadas, desde que respeitados os critérios de acreditação e os critérios mínimos definidos pelo poder público.

Nesse diapasão, considerando o atual momento do Estado do Rio de Janeiro, é forçoso reconhecer que a implementação obrigatória de programas de compliance, tal como apresentado na proposta original (válida para contratos superiores a R$ 650 mil, para compras e serviços, ou R$ 1,5 milhão, nas obras e serviços de engenharia), pode onerar demasiadamente a já falha fiscalização contratual na administração estadual, inviabilizando os resultados pretendidos.

Assim, nesse sentido, propõe-se que a exigência da implantação do programa de integridade às empresas que contratarem com Estado do Rio de Janeiro seja restrita às contratações de grande vulto.
Nos parágrafos 2º e 3º do mesmo artigo 1º, é previsto, ainda, que a exigência de implementação de programas de integridade se aplicaria também “aos contratos em vigor, com vencimento superior a 30 (trinta) meses, contados a partir da data de publicação da presente Lei” e também àqueles contratos anteriores à edição da Lei, que sofressem “alteração, por meio de termo aditivo, termo de apostilamento, prorrogação, renovação contratual, revisão para recomposição de preços ou realinhamento e repactuação, não se limitando a estas, no valor acima de R$ 1.500.000,00 e prazo superior a 6 meses”.

Outrossim, os parágrafos 1º e 3º do art. 5º dispõem sobre o prazo para que estas empresas com contratos já vigentes adotem algum programa de compliance.

Entretanto, é inadiável observar a ilegalidade desta proposta. A aplicação deste diploma a contratos anteriores à sua publicação, sem que haja o devido aditamento e reequilíbrio econômico-financeiro, é ilegal, e a manutenção desta disposição poderá implicar ônus de difícil mensuração ao estado do Rio de Janeiro.
O art. 4º do PL, por sua vez, é quase integralmente idêntico ao art. 42 do Decreto nº 8.420/ 2015, com a exceção de um único inciso. Em apertada síntese, ambos os artigos preveem critérios de aferição da existência e da validade do programa de integridade avaliado e um dos principais incisos do referido artigo, do decreto retro mencionado, é o que trata da transparência da pessoa jurídica no que diz respeito às doações para candidatos e partidos políticos, nos seguintes termos:
 
“Art. 42.  Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos”.

Por sua vez, o artigo 4º do PL, dentre todos os 16 incisos estabelecidos no art. 42 do referido decreto, não contempla apenas aquele que se refere à transparência das pessoas jurídicas quanto a doações para candidatos e partidos políticos e em substituição, prevê um inciso diferente: “XVI – ações comprovadas de promoção da cultura ética e de integridade por meio de palestras, seminários, workshops, debates e eventos da mesma natureza”.

Trata-se de um inciso inovador. Apesar disso, não justifica a falta daquele previsto no Decreto nº 8.420/2015, tão de acordo com as boas práticas já reconhecidas pela regulamentação da Lei nº 12.846/2013 na esfera federal. Nesse sentido, a Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento da OAB/RJ entende que é da maior importância que o Estado do Rio de Janeiro não se desassemelhe da legislação federal em um ponto tão primordial quanto a integridade e a transparência das relações entre o poder público e o setor privado. Sendo assim, propõe seja incluído o inciso XVII prevendo a “transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos” como um dos critérios de apreciação da validade do programa de integridade em análise no caso concreto.

O artigo 5º do projeto estabelece unicamente o prazo de 180 dias para as empresas implementarem o programa de compliance. Todavia, sugere-se que haja um escalonamento temporal para que a implementação tenha tempo proporcional à complexidade e à duração das avenças.

Por último, talvez um dos pontos mais sensíveis deste projeto seja a previsão de penalidade pecuniária pelo descumprimento da legislação, nos termos do art. 6º do PL, com possibilidade, inclusive, de retenção de parte dos pagamentos devidos ao contratado e a exclusão do certame, além da impossibilidade da contratação da empresa com o estado até a sua regular situação, nos termos do art. 8º do PL.

Há, neste tema, se forem considerados ambos os dispositivos como norma geral de licitações e contratos, o risco de alegação de inconstitucionalidade por invasão de competência da União para editar normas gerais neste sentido. Ademais, embora a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal seja muitas vezes errática na verificação da constitucionalidade de normas de licitações e contratos editadas por estados e municípios (veja-se: ADI 3670 e RE 423560), cumpre ressaltar que é fundado o risco de inconstitucionalidade.
Nessas breves notas, a Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico da OAB/RJ espera contribuir para com o aprimoramento do marco legislativo do estado, sempre em busca de um ambiente permeado por mais segurança jurídica nas contratações públicas.
 
* Advogada e membro da Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico da OAB/RJ. Com a colaboração de Mariana Magalhães Avelar
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