02/07/2013 - 20:38 | última atualização em 03/07/2013 - 18:10

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Presença da OAB/RJ em ato da Maré reforça defesa da democracia

redação da Tribuna do Advogado

A OAB/RJ esteve nesta terça-feira, dia 2, em ato no Complexo da Maré que homenageou as vítimas da operação policial ocorrida na última semana na comunidade. Além de prestar solidariedade às famílias das vítimas, a Seccional compareceu ao evento para garantir que não houvesse arbitrariedades por parte das forças policiais.
 
Com cerca de cinco mil participantes, entre ONGs, lideranças comunitárias, organizações estudantis e partidárias e moradores, o ato desta terça-feira se diferenciou dos que vêm sendo realizado no Centro da cidade por ser uma homenagem a vítimas e por ter sido realizado na entrada de uma favela. Se as reivindicações das últimas semanas eram variadas, a desta terça foi bastante evidente: "Estado que mata, nunca mais", diziam adesivos, faixas e gritos de guerra puxados incansavelmente pelos manifestantes.
 
Para Mário Miranda Neto, que integra a Comissão de Segurança Pública da Seccional e já deu aulas em escolas da comunidade, a presença dos colegas contribuiu para a aproximação institucional com a população. "Se a Ordem esteve no IFCS [Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ], também precisava estar na Maré para fazer esse diálogo", comparou o advogado, mencionando a proteção dada a estudantes que ficaram encurralados pela polícia e por grupos violentos de manifestantes na noite do dia 20 de junho.
 
Convidado para discursar no caminhão que servia de palanque para o ato, o vice-presidente da Comissão de Direito Humanos da Seccional, Aderson Bussinger, sublinhou que a presença da Ordem reforça a defesa incondicional da democracia. "Sem igualdade de direitos não há democracia. Repelimos todo e qualquer ato de violência, sobretudo violência do Estado contra os cidadãos. Estamos dispostos a ajudar na apuração do que ocorreu aqui, e queremos reafirmar uma posição institucional de prevalência dos direitos humanos e constitucionais, sobretudo em comunidades como a Maré", completou. 
 
O diretor do Observatório de Favelas, Jailson Silva, afirmou que o ato era promovido coletivamente por todas as 16 associações de moradores do Complexo da Maré e várias organizações sociais que atuam no local. "Diversas comunidades pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil aderiram também. A mobilização é coletiva porque o que houve afetou profundamente toda a Maré e seus moradores. O ato está sendo coordenado pelas organizações que atuam na Maré, porém entidades como a Anistia Internacional, que já trabalham conosco, têm sido fundamentais. Queremos respeito aos direitos humanos, e segurança para os moradores da favela", disse.
 
Diretor da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque acrescentou que a entidade vem condenando "a estratégia da guerra e a estratégia do terror sobre o território da favela". "É muito importante que o Estado brasileiro reconheça definitivamente que as pessoas que vivem nesse território são parte integral da cidade, e como tal devem e merecem ser detentoras de todos os direitos. Temos nos manifestado recorrentemente contra a estratégia do terror e da guerra que só produzem horror e dor. Acreditamos que este é um momento de virada do Brasil e do Rio de Janeiro. É preciso interromper essa lógica. Essa manifestação é importante para que se reconheça a necessidade de reforma na segurança pública, que deve ser para a democracia e não para a ditadura".
 
O antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário estadual de Segurança Pública, participou do ato ecumênico e criticou a estrutura militar das polícias. "As polícias brasileiras estão entre as mais violentas do mundo, particularmente as polícias do Rio de Janeiro. Entre 2003 e 2012, 9.231 pessoas foram mortas em ações policiais. Houve um declínio em 2011 e 2012, mas nunca houve uma definição clara de uma política de reversão desse quadro. Esse setor da segurança pública permanece com a mesma arquitetura institucional legada pela ditadura. No pacto político que viabilizou a transição para a democracia, essa área foi congelada para que houvesse as outras mudanças. Precisamos refundar as estruturas policiais, desmilitarizando a polícia militar, tudo isso como uma extensão do processo de transição democrática", opinou.
 
Para Soares, do ponto de vista organizacional, a polícia de fato não está preparada para lidar com o Estado democrático de Direito. "A melhor forma de organização é aquela que melhor serve aos propósitos da instituição. A melhor forma de organização de um açougue é diferente de um clube de futebol, de uma universidade e da polícia. Por que a polícia tem que se organizar à imagem e semelhança do exército? Essa determinação legal só se justificaria se os propósitos, finalidade e metas fossem as mesmas", acrescentou.
 
Na terça pela manhã, antes da realização do ato, o presidente da Comissão da Verdade do Rio e da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal, Wadih Damous, e outros integrantes desses órgãos estiveram com a ministra Maria do Rosário, secretária nacional de Direitos Humanos, para solicitar uma perícia independente para apurar as mortes ocorridas semana passada no Complexo da Maré. A solicitação é que a Polícia Federal assuma as investigações.
 
A presença da OAB/RJ no ato na Maré foi uma repetição do que ocorreu dia 25, quando a Ordem foi ao complexo para apurar denúncias de abusos cometidos na noite anterior, após uma ação policial ter feito 10 vítimas fatais e vários feridos – na ocasião, a ONG Observatório de Favelas falou em 13 mortos. No ato desta terça, no entanto, não foi necessária a apuração de denúncias. Ocupando uma das pistas laterais da Avenida Brasil, na entrada da favela Nova Holanda, que integra o complexo, a manifestação permaneceu parada e liderada pelo tablado sobre o caminhão, sem que houvesse qualquer incidente ou repressão das forças policiais presentes. MCs e grupos cênicos fizeram intervenções artísticas e grupos religiosos deram o tom solene do evento, que se encerrou às 18h.
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