25/11/2015 - 10:11 | última atualização em 30/11/2015 - 14:00

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Pesquisa traça perfil da maternidade no cárcere no Rio de Janeiro

redação da Tribuna do Advogado

Jovens, pobres, negras ou pardas, com baixa escolaridade e invisíveis. Esse é o perfil das mulheres grávidas ou com filhos recém-nascidos que estão no sistema prisional do Rio de Janeiro.  O tema foi discutido nesta terça-feira, 24, no lançamento da pesquisa “Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro”. A pesquisa foi feita por Aline Cruvello Pancieri e Luciana Peluzio Chernicharo e foi coordenada por Luciana Boiteux e Maíra Fernandes. O lançamento fez parte do I Encontro sobre Encarceramento Feminino, da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. 

As pesquisadoras entrevistaram 41 mulheres nas Penitenciária Talavera Bruce, onde ficam as presas grávidas, e na Unidade Materno Infantil, onde as presas ficam com suas crianças recém-nascidas por até seis meses. A pesquisa foi feita entre junho e agosto de 2015 e confirmou a exclusão a que mulheres encarceradas estão submetidas. 78% das entrevistadas têm até 27 anos, 82% são solteiras e 77% são negras ou pardas. 75,6% não concluiu o Ensino Fundamental e 9,5% não sabe ler. Entre as entrevistadas, apenas duas delas têm Ensino Médio completo. 

A pesquisa revela que as mulheres estão, na maioria das vezes, sozinhas na prisão. 65,9% das presas não recebe visitas. Das que recebem, metade é visitada pela mãe e 14,3% recebe visita do marido ou companheiro. “Quando o homem é preso, a mulher mantém a família do lado de fora. Quando a mulher é presa, a família se desfaz. Se a prisão é cruel para homens, é mais cruel para mulheres e ainda mais cruel para mulheres em situação de maternidade”, afirma Maíra Fernandes, uma das organizadoras da pesquisa e membro da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ. Metade das entrevistadas estava trabalhando em empregos precarizados quando foi presa, sendo que 85% trabalhava sem carteira assinada. A maioria das presas era a responsável pelo sustento do lar. 
Maíra Fernandes | Foto: Luciana Botelho   |   Clique para ampliar

Maíra defende que, se a lei fosse cumprida, essas mulheres não estariam atrás das grades, lugar onde crianças não deveriam nascer ou viver e que não oferece o mínimo de cuidado para grávidas, que recebem atendimento médico bastante precário e não têm acesso a um pré-natal de qualidade.
 
“Segundo o Artigo 318 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser substituída por prisão domiciliar no caso de gestantes a partir do sétimo mês de gravidez ou quando a gravidez for de alto risco, e também quando for imprescindível aos cuidados de pessoa menor de seis anos. Qualquer gravidez no cárcere sempre será de alto risco. Essas mulheres não deveriam estar no sistema”, defende Maíra, ao destacar que 73,2% das entrevistadas são presas cautelares, que deveriam estar apenas provisoriamente no sistema prisional. A nível nacional o percentual é de 40%. “Não estamos pedindo nada revolucionário. Apenas a aplicação das leis já existentes”. 

Tráfico de drogas

Entre as entrevistadas, 75,6% tinham algum parente preso, sendo que em 46,3% dos casos este era o companheiro. Destes, 52,6% presos por tráfico de drogas. A maioria das entrevistadas, inclusive, foram presas por crimes ligados ao tráfico de drogas, 63%, percentual que está acima da média nacional de mulheres presas por tráfico, que é de 58%. 

Segundo Luciana Boiteux, também organizadora da pesquisa e professora da UFRJ, o número alto de presas por tráfico está ligado ao fato de a maioria delas ser responsável pelo sustento do lar. “O tráfico muitas vezes ajuda a complementar a renda. Temos que repudiar essa fala machista de que a mulher entra no crime por amor ou para ficar com um homem. Elas são chefes de família que não conseguem sustentar os filhos por meios lícitos e acabam indo para o tráfico. Esse modelo de seletividade penal focado no tráfico está encarcerando mais mulheres, mais mães, mais grávidas. Isso não significa que o tráfico tenha aumentado, mas que esse é um reflexo da política atual de combate às drogasse da feminização da pobreza”. Luciana destaca, também, que mesmo no tráfico elas ocupam cargos subalternos. “A maioria das mulheres é presa sendo ‘mula’. Apenas uma das entrevistadas disse ser gerente da boca de fumo, o que não é um cargo tão alto assim. Os homens ainda ocupam os lugares mais importantes no tráfico e nem sempre são presos, já que é a mulher que está em casa quando a polícia chega”. 

 Saúde

As entrevistadas reclamam de falta de água para tomar banho, má qualidade da comida, precárias condições de higiene e falta de atendimento médico. “Algumas presas relataram que a maioria dos partos são cesáreas. Precisamos falar sobre humanização do parto também para mulheres presas. Além disso, as grávidas são levadas algemadas e no transporte normal para o parto. É a prevalência da ideia de segurança em detrimento dos Direitos Humanos”, afirma Luciana. 

Quando a criança nasce, elas não podem acompanhar o filho recém-nascido em exames externos. Depois dos seis meses na Unidade Materno-Infantil, a criança é entregue para um parente cuidar. Em 61% dos casos, a criança fica com a avó após os seis meses regulares na Unidade, sendo que em 70,3% dos casos a avó fica com a guarda da criança. Nos casos em que a presa não tenha parentes, a criança é levada para um abrigo e a mãe perde todo o contato que tenha com os filhos. “Não queremos uma penitenciária cor de rosa. Queremos mulheres com independência, autonomia e empoderamento”, defende Luciana.
 
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