19/03/2015 - 11:00 | última atualização em 19/03/2015 - 13:13

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Em palestra, Maíra Fernandes aborda dificuldades das mulheres presas

redação da Tribuna do Advogado

Segundo dados da Pastoral Carcerária, 95% das mulheres presas no Brasil foram vítimas de violência em algum momento da vida, seja quando criança, na fase adulta, pelos companheiros ou companheiras, ou ainda nas mãos da polícia no momento da detenção. Com essa informação, a advogada, presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro e membro da OAB Mulher, Maíra Fernandes fechou a palestra que realizou nesta quarta-feira, dia 18, na Seccional, como parte da agenda da comissão pelo Dia Internacional da Mulher.

Intitulado Encarceradas: um olhar sobre a vida das mulheres na prisão, o evento abordou as dificuldades enfrentadas por um grupo que se torna mais vulnerável para a sociedade: “Essas mulheres acumulam todos os estigmas que se pode imaginar. Elas conseguem reunir, em uma mesma condição, o próprio fato de serem mulheres, a questão de serem na maior parte das vezes negras, da grande maioria ser pobre, com pouquíssimos acessos a recursos e oportunidades de emprego, e ainda o estigma da prisão, que já e uma chave dificílima para romper para homens, quanto mais para mulheres”, destacou Maíra, completando que algumas vezes ainda soma-se a isso a prostituição ou o fato de estarem presas por terem realizado um aborto.

A advogada apresentou números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de junho de 2014 que mostram que, dos 563 mil detentos no sistema à época, em torno de 7% são mulheres. “Porém”, alarmou ela, “esse número tem crescido estrondosamente, muito mais do que o de homens”. De acordo com dados do Instituto Penitenciário Nacional (Ipen), observou, de 2000 a 2012 o número de presos cresceu 136%, porém, considerando só o número de mulheres presas, o aumento foi de 256%.

“Isso vem acontecendo especialmente por conta da Lei de Drogas, de 2006, que encarcera muito as mulheres, em grande parte dos casos pelo simples fato de serem a pessoa que está em casa no momento em que a polícia vai fazer a apreensão. Muitas, por amor ou por medo, acompanham os companheiros no crime e algumas também o escolhem como alternativa até para sustento da família”, explicou Maíra.

A dificuldade é grande, segundo ela, especialmente por conta da estrutura do sistema prisional: “Temos um sistema construído para homens, pensado para homens e apenas adaptado para mulheres. Não há um sistema estruturado, construído desde o início sob uma perspectiva de gênero”.

Com isso, disfunções recorrentes do sistema no geral se agravam nos presídios femininos, como o acesso à saúde. Em todo o país, segundo Maíra, mais uma vez citando números do Ipen, há o chocante número de 18 ginecologistas à disposição das detentas. “Se a saúde no sistema penitenciário é falha, com as mulheres é muito pior, pois elas não fazem nenhum dos exames necessários para prevenção de câncer de mama ou de colo de útero, por exemplo, e muito menos têm o tratamento adequado. Quando grávidas, não fazem o pré-natal da forma prevista”.

Ela alertou para o fato de o Brasil ser signatário das normas internacionais para o tratamento de mulheres encarceradas, estabelecidas na 65ª Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em 2010, e chamadas Regras de Bangkok. “Essas regras preveem, por exemplo, que no momento da detenção, a mulher tenha um tempo para saber o que vai acontecer com seu filho, entrar em contato com alguém. Eu nunca vi isso acontecer. Não há hipótese de o policial dar esse tempo”, observou.

Maíra citou outras normas e leis violadas constantemente, como a Lei de Medidas Cautelares (Lei nº 12.403/2012), que prevê o regime domiciliar para presas provisórias que estejam gestantes ou que tenham filhos pequenos sob seus cuidados. “Sem contar uma coisa que é absolutamente torturante e que fere qualquer norma internacional de direitos humanos e a nossa Constituição, que é o parto algemada. Não é uma realidade no Rio de Janeiro, mas é em São Paulo, por exemplo”.

Além disso, falou de como a falta de contato das presas com a família as abala psicologicamente: “É comum essas mulheres serem detidas e não poderem avisar a ninguém. Elas ficam sem saber o que aconteceu com seus filhos. A principal diferença entre os gêneros nesse caso é que, quando o homem que é preso, sua família se mantém. Sua mulher dá apoio para ele na prisão, mantém a família e o espera. Não é a toa que vemos filas quilométricas nos presídios masculinos, que começam a ser formadas de madrugada. Já em uma unidade prisional feminina não vemos quase ninguém em dia de visitação”.

Integrante do Subcomitê de Prevenção e Combate à Tortura da ONU, a advogada Margarida Pressburger deu um apanhado internacional da questão e falou sobre as dificuldades enfrentadas por presas estrangeiras no Brasil, que sofrem ainda mais com a falta de contato e em alguns casos não sabem nem ao menos falar o idioma.

“Com todos os problemas citados pela Maíra, como o da saúde, ainda há aqueles que rebatem com o argumento de que na fila de um hospital público um cidadão aguarda 20 horas, então por que se daria estrutura para um apenado? Essa é a visão de uma cultura que nós temos diferente do que a legalidade pretende. A pena de prisão é para a ressocialização”, frisou Margarida.

O evento contou também com falas da presidente da OAB Mulher, Rosa Maria Fonseca, e da secretária de Políticas para as Mulheres do Rio de Janeiro, Ana Rocha.
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