28/03/2010 - 16:06

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Ophir critica decisão de universidade de lançarem pacote com três diplomas

Ophir critica decisão de universidade de lançarem pacote com três diplomas

 

 

Da revista Época

 

28/03/2010 - Depois de 24 anos na Polícia Civil, o paulistano Ulisses Marques, de 46 anos, decidiu retomar um antigo sonho: iniciar uma carreira profissional como contador. Prestou o processo seletivo da Universidade Nove de Julho (Uninove) em 2007 e agora cursa o sétimo semestre de ciências contábeis. Não só. Há dois anos faz uma pós-graduação a distância. Isso é possível porque nos primeiros anos da graduação ele fez aulas extras que lhe valeram um diploma de formação superior chamado curso sequencial de gestão contábil. Graças a esse truque (que é perfeitamente legal), ao fim de quatro anos ele deixará a Uninove com três diplomas: o sequencial, a graduação e a pós. E isso já está mudando sua vida. Marques deverá ser efetivado neste ano como contador da Secretaria de Relações Institucionais do Estado de São Paulo, onde faz estágio. "Os cursos simultâneos são puxados", diz. "Mas com eles aproveito o tempo e tenho chance de concorrer a cargos maiores."

 

Marques está aproveitando uma novidade universitária: os pacotes de graduação com pós a preço baixo. Na Universidade Bandeirante de São Paulo, a famosa Uniban de Geyse Arruda, custa R$ 299 a mensalidade da graduação em administração e R$ 198 a mensalidade da pós na mesma disciplina. O segredo do preço com desconto é que o aluno faz os dois cursos ao mesmo tempo, o que é bom para a Uniban. O aluno pode fazer graduação em uma área (psicologia, por exemplo) e pós em outra totalmente diferente, como pedagogia. Na Uninove, a primeira a oferecer o pacote com pós, essa possibilidade não existe. As especializações são restritas à área do curso sequencial escolhido pelo aluno. Apesar de a oportunidade ser vista com bons olhos pelos estudantes, poucos conseguem aguentar o ritmo de estudos. Neste semestre, apenas 180 alunos da Uninove fazem os cursos simultaneamente. Na Uniban, que começou seu programa neste ano, não há aumento de carga horária. Os alunos fazem graduação e curso sequencial sem passar mais tempo na escola. O Ministério da Educação não entendeu como se faz isso sem reduzir a carga curricular e notificou as duas universidades. "Está errado. Eles terão de desmembrar os cursos", afirma a secretária de Educação do Ensino Superior, Maria Paula Dallari Bucci.

 

Se as universidades terão de se explicar ao governo, a questão do ponto de vista dos alunos é outra: qual é o valor pedagógico desses pacotes acadêmicos? Eles realmente ensinam?

 

Os cursos combinados nasceram de uma demanda do mercado. As empresas precisam de mão de obra qualificada. E rápido. "Pegar uma pessoa que fez dois anos de graduação e dois anos de pós é melhor do que alguém que não tem formação", diz Rodrigo Kede, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef-SP) e diretor financeiro da IBM. Com o diploma do curso sequencial, o estudante consegue salários melhores para financiar sua educação superior.

 

Segundo um levantamento da Fundação Getulio Vargas, a cada ano de qualquer estudo, os salários podem subir 15%. E a chance de conseguir um emprego aumenta 3,3%. Mas essa não é a única coisa a ser considerada ao escolher um curso. Márcia Vazquez, consultora de carreira da Thomas Case, diz que esses cursos compactos estão voltados à prática da profissão, e os alunos podem ficar em desvantagem teórica em relação a outros estudantes. O professor Romualdo Portela, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), diz que esses cursos partem da ideia de que a teoria pode ser dispensada. "Não existe boa formação sem teoria", afirma.

 

Consultores e especialistas em recrutamento aconselham que o estudante se forme na graduação e faça pós alguns anos depois, já com experiência profissional. "Você não quer só uma linha a mais em seu currículo. Quer conhecimento para ajudar sua empresa a ter resultados melhores", diz Constantino Cavalheiro, diretor de uma divisão do portal de empregos Catho Online. Para Luiz Roberto Calado, vice-presidente do Ibef, os pacotes não garantem bons empregos. "O mercado sabe diferenciar a formação rápida da formação abrangente."

 

A Uniban se diz tranquila quanto à legalidade de sua oferta e diz que está disposta a fazer adequações necessárias para garantir a qualidade de ensino. Ela tem até o dia 30 de abril para responder ao MEC. A Uninove afirma que foi questionada pelo MEC em setembro de 2007, um ano depois de lançar o sistema. Mas diz que três meses depois recebeu uma resposta da Secretaria de Educação Superior (Sisu) confirmando que não havia irregularidades. Mesmo assim, as críticas se multiplicam. "Não se pode falar em uma pós-graduação quando não houve conclusão de uma graduação", diz o presidente da OAB, Ophir Cavalcante. O presidente do Conselho de Enfermagem de São Paulo, Claudio Porto, ficou surpreso ao saber que a Uniban oferecia pós durante o 4o ano da graduação. "Liguei para a Uniban. Eles disseram que o modelo não vingou e vai ser retirado do site", disse. Até o fechamento desta reportagem, o curso ainda era oferecido no site.

 

Três em um Os pacotes oferecidos pela Uniban e pela Uninove conseguem oferecer três diplomas (curso sequencial, graduação e pós) em quatro anos. Numa universidade tradicional, levaria ao menos oito.

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