20/06/2012 - 09:15

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Nota de falecimento: Iramaya Benjamin, do Comitê da Anistia

jornal O Globo

O filho queria clorofórmio. A mãe, Iramaya Queiroz Benjamin, química, achou que era para limpar ferimentos de algum dos colegas com quem ele, Cid, tinha se metido ao ir para a oposição à então ditadura militar. Foi só quando assistiu ao noticiário sobre o sequestro do embaixador Charles Elbrick - em que os sequestradores tinham usado a substância - que Iramaya se deu conta: "Pronto. Está aí meu clorofórmio...", lembrou em depoimento em 1999 ao Cpdoc/FGV-RJ e à Assembleia Legislativa do Rio. Fundadora do Comitê Brasileiro pela Anistia, Iramaya ficou conhecida por lutar pelos direitos de vítimas da ditadura - como os filhos Cid e César Benjamin.
 
Nascida em 1923, no Rio, Iramaya se formou em Química e foi trabalhar no Ministério da Fazenda, na Alfândega.
 
Casou-se em 47, com um oficial do Exército. No ano seguinte, nasceu o primeiro filho, Cid. O segundo, Leo, viria em 52, e César nasceria em 54.
 
Aos 40 anos, ela voltaria à universidade, desta vez para cursar Filosofia, na mesma época em que Cid se envolvia mais com política estudantil. Iramaya, que se considerava uma pessoa "doméstica", começou a entrar, ela também, no mundo da política.
 
Dias após o sequestro de Elbrick, o Cenimar chegou a ir a sua casa e revistar tudo. Em 70, Cid seria exilado; em 71, seria a vez de César, ainda menor, ser preso na Bahia. "Só o tiraram do isolamento porque dei um escândalo no Ministério da Guerra", disse ao Cpdoc e à Alerj. Iramaya chegou a mudar capas de livros sobre marxismo para que eles pudessem ser entregues a César, além de ir atrás da fórmula de uma tinta invisível para se comunicar com filho; ela pôs a tinta num frasco de desodorante, o filho não entendeu e passou a usar como desodorante mesmo.
 
"Ela entrou nesse processo político a partir do meu exílio e da prisão do César, que era menor de idade e os médicos da ditadura deram laudo dizendo que ele tinha idade mental de 35 anos, por isso podia ser preso", diz o jornalista Cid Benjamin, lembrando episódio que, para ele, deveria ser apurado pela Comissão da Verdade. "Ela foi uma mãe símbolo dessa luta. Chegou a dizer que era parente de presos políticos que via que não recebiam visita, para poder visitá-los".
 
César seria solto em 76 e também mandado ao exílio. Viria então a luta da mãe pela anistia, para que os filhos e outros exilados políticos voltassem.
 
Em 77, ela criaria o Comitê Brasileiro pela Anistia, responsável pelo lema "Anistia ampla, geral e irrestrita". Passando a realizar passeatas e comícios, o comitê exigia também o fim da Lei de Segurança Nacional e o direito de registro civil para os filhos dos exilados.
 
"Passamos a mobilizar outras entidades, como Crea e OAB, nessa luta também", conta o advogado ArtMüller, da fundação do comitê.
 
Quando a Lei da Anistia foi aprovada, em 79, Iramaya e outros integrantes do comitê passaram a ir aos aeroportos receber os exilados, para evitar prisões. "A Lei da Anistia foi muito mal feita, porque militar não sabe fazer lei. (...) Ninguém sabia a quem ela beneficiaria", criticaria Iramaya mais tarde, no depoimento ao Cpdoc e à Alerj.
 
Iramaya ficou à frente do comitê até os anos 80. Em 82, filiada ao PT, foi candidata a deputada federal, mas não se elegeu. "O PT foi um rio que passou na minha vida", diria ela ao comentar a desilusão que teve mais tarde com o partido e seu afastamento dele nos anos 90. Nessa época, ela se aproximaria do Movimento dos Sem-Terra (MST).
 
Iramaya Queiroz Benjamin morreu aos 88 anos ontem - coincidentemente, mesmo dia de um protesto no Rio contra um dos torturadores de seu filho Cid, Dulene Garcez. Ela teve parada cardíaca em sua casa, enquanto dormia. Deixa três filhos, oito netos e quatro bisnetos.
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