16/04/2012 - 12:14

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Niterói protesta contra a escalada da violência

O Globo

A escalada de crimes em Niterói levou moradores a fazerem ontem, dia 15, pelo segundo dia consecutivo no fim de semana, mais um protesto, dessa vez na Praia de São Francisco, Zona Sul da cidade. A manifestação, com cartazes pedindo a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no município, reuniu mais de cem pessoas.
 
Depois do reforço do policiamento para conter a onda de crimes na cidade, as operações nas favelas se intensificaram. Anteontem, Maria Antônia dos Santos, de 48 anos, foi morta por uma bala perdida na comunidade do Sítio Ferro, em Cantagalo, próximo ao Largo da Batalha. Ontem, morreu um adolescente de 14 anos, suspeito de envolvimento com o tráfico, que havia sido baleado no dia anterior perto da Favela Boa Esperança.
 
Segundo especialistas, o script da escalada da violência em Niterói se assemelha em muito com o que se viu em áreas conflagradas do Rio nas últimas décadas. Para eles, casos como o de Maria Antônia corroboram a necessidade de se tomar as rédeas agora. Do contrário, a tendência será se repetir o fortalecimento do tráfico de drogas, como ocorreu em comunidades cariocas.
 
No protesto de ontem, cerca de cem pessoas saíram em caminhada pela Praia de São Francisco - anteontem, aproximadamente 50 já tinham feito uma manifestação na Praia de Icaraí. E integrantes do movimento SOS Praia de São Francisco aproveitaram para reunir assinaturas que serão enviadas ao governador Sérgio Cabral, pedindo um efetivo maior de policiais na cidade. Eles afirmaram que, dos PMs prometidos para reforçar o patrulhamento no município, apenas 40 teriam efetivamente chegado. A Polícia Militar, no entanto, garante que 122 já reforçam o policiamento, além de 44 do Batalhão de Choque, no Projeto Garupa (de patrulhamento em motos).
 
Carlos Eduardo Carvalho, de 26 anos, filho do médico Carlos Vieira de Carvalho Sobrinho - morto no dia 31 de março num assalto na porta de casa, em Icaraí -, participou do protesto e fez críticas ao governo."Juntando todo o efetivo de Niterói, Maricá e São Gonçalo, há menos policiais na região do que na Rocinha. O governador foi eleito para todo o estado e não só para uma cidade. Depois da morte do meu pai, mudei minha rotina e saio bem menos. Prefiro chamar os amigos em casa", disse.
 
Mulher morta tinha ficado soterrada em chuvas de 2010
 
Desde o assassinato do pai de Carlos Eduardo, a onda de violência em Niterói deixou mais quatro mortos em apenas 15 dias: o estudante Jorge Luiz Carvalho, baleado num assalto no Ingá; o PM Celso de Jesus, vítima de ladrões no Fonseca; a dona de casa Maria Antônia e o menor.
 
Maria Antônia morreu na porta de casa, atingida por um tiro na cabeça. A morte causou revolta dos moradores do Sítio Ferro, que em protesto fecharam por mais de duas horas a Avenida Francisco da Cruz Nunes, acesso à Região Oceânica. Ela vivia na comunidade há cerca de dois anos, depois de, nas chuvas de abril de 2010 - as mesmas que devastaram o Morro do Bumba -, ter ficado soterrada e ter perdido sua casa na Garganta do Viradouro.
 
"Desde então, minha mãe recebia aluguel social. Morreu sonhando em ter a casa prometida pelas autoridades", contou a filha de Maria, Janaína dos Santos. - "No dia em que morreu, ela passou a manhã me telefonando, dizendo que estava pedindo proteção para mim diante da violência. Ela disse que Niterói estava um inferno. E essa cidade a levou".
 
Janaína teve dificuldades para liberar o corpo da mãe no IML, uma vez que Maria Antônia havia perdido os documentos nos deslizamentos de 2010.
 
Já o menor foi atingido num confronto com PMs do 12º BPM (Niterói). Segundo informações da PM, durante uma ação de rotina próximo à comunidade Boa Esperança, os policiais foram surpreendidos por homens armados e houve tiroteio. O adolescente foi baleado na barriga e levado para o Hospital Azevedo Lima, onde chegou a ser operado, mas não resistiu aos ferimentos. Com ele, de acordo com a polícia, foram apreendidos uma pistola calibre 380, 20 sacolés de cocaína e uma granada.
 
Especialistas veem mudança no perfil da cidade
 
Ex-capitão do Bope e mestre em antropologia pela UFF, Paulo Storani diz que, neste momento de reação à violência em Niterói, os confrontos em comunidades serão praticamente inevitáveis, com perigo para inocentes. Ele afirma que essas ações devem ser estrategicamente planejadas, para reduzir ao máximo os riscos. E diz não ter dúvida de que houve uma mudança na criminalidade em Niterói, sobretudo devido à migração de bandidos que fugiram de favelas do Rio com UPPs.
 
Com isso, afirma Storani, Niterói vive hoje uma situação parecida com a do Rio nos anos 1980, quando o tráfico começou a ganhar força. Os bandidos recém-chegados a Niterói normalmente têm usado armas curtas, como pistolas, sem ostentar muito poder. No interior de algumas favelas de São Gonçalo e Niterói, porém, essa ostentação já pode ser percebida.
 
"É o low profile do criminoso. Era assim no Rio antes de o narcotráfico se consolidar e criar uma estrutura de fuzis e metralhadoras. Portanto, é preciso agir agora, antes que eles se fortaleçam. Isso vai requerer uma mudança no planejamento da segurança pública, antes voltada mais para as UPPs. Niterói precisará ter o policiamento reforçado. E deverá ser pensada a região, incluindo São Gonçalo e Itaboraí", diz Storani, lembrando uma histórica dificuldade da PM de formar efetivos, fazendo com que o fato de se priorizar agora Niterói possa agravar déficits de policiais em outras áreas do estado.
 
Delegado da 79ª DP (Charitas), Marcus Maia também afirma que há uma mudança de perfil da cidade. Ele aponta o fortalecimento do tráfico em favelas como o Morro do Preventório. Mas diz que em Niterói ainda não existem o que chama de "zonas de exclusão", onde todos evitam passar e aonde, às vezes, nem a polícia vai.
 
"Não há aqui lugares proibidos. Mas a cidade está crescendo. O niteroiense, mesmo aquele acostumado com a agressividade do Rio, via aqui seu oásis, onde tirava a armadura do medo. Os crimes recentes, que não eram comuns na cidade, assustam esses moradores. Mas estamos trabalhando para inibir isso", diz ele.
 
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