10/07/2015 - 17:07

COMPARTILHE

Navegar é preciso - Godofredo Mendes Vianna

jornal O Globo

Durante a recente greve dos caminhoneiros, o senador José Medeiros (PPS/MT) destacou em pronunciamento no Senado as perdas diárias que os produtores de leite de sua região estavam enfrentando - mais de cem mil litros de leite estavam sendo descartados diariamente por inexistência de transporte alternativo.

Esse desperdício é uma imagem emblemática da dependência do país do sistema rodoviário, um dos propulsores do desenvolvimento brasileiro e que continua sendo de fundamental importância. A questão pertinente, no entanto, é até que ponto o modal rodoviário deve ser a única ou a principal via para os percursos de cargas em transporte de longa distância.
 
Num país de dimensão continental como o Brasil, com mais de 8 mil quilômetros de litoral navegável e uma rede hidroviária de mais de 15 mil quilômetros de extensão, o transporte aquaviário parece ser uma alternativa viável, mas que nos últimos anos pouca ou nenhuma atenção recebeu do governo federal.
 
Em especial, pouco se fez para estimular a navegação com bandeira brasileira, o que inclusive tem grande custo em termos de divisas pagas pelo frete internacional. A última grande iniciativa do governo e do Congresso em prol da marinha mercante foi há quase 20 anos, com a edição da Lei 9.432/97, que trouxe uma série de incentivos à bandeira brasileira e aos estaleiros nacionais, com a criação de um segundo registro de propriedade, o chamado REB (Registro Especial Brasileiro).
 
Esse diploma legal, embora seja de grande valia, merece atualização, pois hoje a bandeira brasileira ainda enfrenta dificuldades diante dos altos custos operacionais. Um dos fatores é o excessivo custo do combustível na cabotagem, por força da incidência de impostos na compra doméstica, contra os baixos custos do combustível dos navios que venham operar aqui, provenientes do exterior. Há ainda os problemas antigos, como dragagem e os elevados custos da praticagem, situação que até hoje perdura ante a excessiva presença estatal na regulação do setor.
 
Embora a nova Lei dos Portos tenha sido uma importante iniciativa, persiste o impasse no programa de licitação de novos terminais privados, em razão do descompasso entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Secretaria Especial de Portos (SEP).
 
Neste contexto, é louvável a iniciativa da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), que, após ouvir diversos setores e promover amplo debate com a sociedade através de audiência pública, editou a Resolução 01/2015, com aperfeiçoamento dos regimes de afretamento de embarcações estrangeiras. Trata-se de ótimo exemplo do bom uso do poder normativo das agências reguladoras para suprir a inércia dos Poderes Executivo e Legislativo em questões de interesse nacional.
 
Ainda assim, é urgente retomar uma política de Estado para a marinha mercante de bandeira brasileira. Como disse o poeta Fernando Pessoa, navegar é preciso. Mas, para tanto, compete ao governo e ao setor privado promoverem ações que tornem viável a expansão da cabotagem, com ênfase nas empresas brasileiras, e a navegação interior. Também é preciso dar condições aos que querem navegar.
 
*Godofredo Mendes Vianna é presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Mar da OAB/RJ.
Artigo publicado no jornal O Globo, em 8 de julho de 2015. 
Abrir WhatsApp