09/10/2009 - 16:06

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Morosidade da Justiça provoca indignação na sociedade brasileira

Morosidade da Justiça provoca indignação na sociedade brasileira

 

 

Do jornal O Globo

 

09/10/2009 - Com 153 pessoas a bordo, o Bateau Mouche naufragou a caminho da Praia de Copacabana na noite de 31 de dezembro de 1988, matando 55 passageiros e tornando-se a maior tragédia da história náutica do Rio. Passados quase 21 anos, apenas duas famílias receberam indenização, e nenhum dos responsáveis está preso.

 

Por esta razão, o caso tornou-se emblemático quando se fala em morosidade da Justiça - o tema da semana escolhido por 80% dos internautas que frequentam o site da campanha "Nós e Você. Já São dois Gritando "(www.oglobo.com.br/doisgritando), que promove o debate entre os leitores do GLOBO sobre os temas que mais preocupam a sociedade brasileira.

 

Até a tarde de ontem, mais de 300 manifestações sobre o assunto já haviam sido escritas no site. Muitas relatando experiências vividas pelos autores dos comentários.

 

"A lentidão no sistema é inadmissível no Brasil. Minha família espera desde 1989 resolver uma causa contra Furnas", protesta a leitora Ana Luiza Vilela.

 

"Tenho uma ação trabalhista rodando o Judiciário desde 1991", reclama Mirian Fonseca, outra leitora que usou o espaço para desabafar contra a lentidão dos processos no país.

 

Burocracia extrema está entre as principais causas

 

A morosidade não é percebida apenas por quem recorre aos tribunais. Muitos profissionais do Direito reconhecem o problema.

 

Entre as várias causas apontadas, a burocracia aparece como a que mais reduz o ritmo de trabalho nas varas.

 

"Os rituais judiciais ainda são muitos atrasados no Brasil. A rotina ainda é feita com uma infinidade de carimbos, certidões e alvarás. A demora em casos como o do Bateau Mouche é inconcebível e abala profundamente a credibilidade do Poder Judiciário", considera o advogado Leonardo Amarante.

 

Especialista na área de responsabilidade civil, Amarante representa famílias de vítimas do rumoroso naufrágio e do desabamento do edifício Palace 2, há 11 anos, cujo processo indenizatório para as 150 famílias que lá moravam ainda se arrasta na varas do Rio e de Brasília.

 

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), Wadih Damous, acredita que o volume de processos abertos todos os anos e a falta de planejamento estratégico também ajudam a provocar o congestionamento.

 

"Há uma quantidade desmesurada de processos ajuizados, causada pelo hábito de levar qualquer conflito para os tribunais. Não é à toa que os juizados especiais, concebidos para as causas de pequeno valor, estão sobrecarregando os trabalhos no Judiciário como um todo. Para complicar, os juízes estão mal distribuídos. As comarcas do interior muitas vezes vivem à míngua", observa.

 

Outra questão que gera muita polêmica são as férias de 60 dias para os magistrados em exercício. Além do período de descanso garantido por lei, os juízes têm direito a um recesso de fim de ano que, na esfera federal, ocorre entre os dias 20 de dezembro e 6 de janeiro. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) é o autor do projeto de lei 374\/2007, em tramitação no Congresso, que reduz o período de férias para 30 dias. A proposta tem o apoio da OAB.

 

"Não há motivo para dois meses de férias se a maioria dos trabalhadores do país só tira um", critica Wadih Damous.

 

Taxa de congestionamento em tribunais é alta

 

Criado em 2004, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é o responsável pelo controle das atividades no Judiciário e pela transparência administrativa no setor. No site da instituição (www.cnj.jus.br), é possível ver os indicadores sobre o desempenho dos tribunais de todo o país. Um deles se refere à taxa de congestionamento dos processos.

 

Só na Justiça Federal, o problema afeta 58,9% dos processos.

 

Nas Justiças estaduais, o percentual sobe para 73%.

 

Paralelamente, já há esforços visíveis para minimizar o problema. Uma das iniciativas que está em curso diz respeito à digitalização dos conteúdos das ações judiciais. Mas, apesar das vantagens óbvias da informatização, a eliminação do papel não vai garantir, necessariamente, a eficiência.

 

"Muitos advogados ainda não dispõem de equipamentos de informática atualizados, são verdadeiros excluídos digitais. 

Isso está sendo anunciado como avanço, mas pode causar colapso se as varas e os cartórios não se prepararem", diz o presidente da OAB-Rio.

 

Durante o último Encontro Anual do Judiciário, em fevereiro passado, os tribunais traçaram dez metas para dar mais eficiência ao acesso do cidadão à Justiça. Para eliminar pendências e desafogar o sistema, o CNJ recomendou que todos os processos distribuídos até o fim de 2005 devem ser julgados o quanto antes. Mas o que parece ser a solução óbvia, contudo, pode também trazer outros efeitos colaterais. Para o advogado Renato Pacca, autor do blog Traduzindo o Juridiquês, que discute o tema no site do GLOBO (oglobo.com.br\/blogs\/juridiques), mais rapidez nos trâmites não pode comprometer a qualidade dos serviços.

 

"A emenda constitucional 45 diz que a garantia dos direitos deve ser feita no menor tempo necessário. Mas de nada adianta termos uma decisão rápida, se ela for injusta", diz.

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