03/07/2013 - 18:05 | última atualização em 05/07/2013 - 10:00

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Moradores da Maré exigem respeito e pedem outra concepção de cidade

redação da Tribuna do Advogado

No ato ecumênico realizado no Complexo da Maré nesta terça-feira, dia 2, representantes de todas as associações de moradores envolvidos na organização participaram da entrevista coletiva concedida na sede da ONG Observatório de Favelas. De forma unânime e veemente, todos condenaram as ações violentas do Estado, principalmente em comunidades onde a presença de serviços públicos não é satisfatória e onde a ação da polícia muitas vezes desrespeita direitos constitucionais como a inviolabilidade do domicílio.

"Chega de pé na porta, chega de chave mixa", bradou o diretor de relações públicas da Associação de Moradores do Parque União, Carlos Alberto, referindo-se à chave coringa utilizada para arrombar portas. Segundo o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

Os pedidos de paz e respeito também permearam todos os depoimentos. "Hoje queremos soltar um nó que está preso na garganta. As famílias não agüentam mais chorar por causa de tanta violência. O que aconteceu aqui não foi uma operação, foi uma catástrofe. Queremos que as autoridades nos escutem", declarou, emocionada, a presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda, Andréa Matos.
 
Jovens que moram no complexo e trabalham com o Observatório de Favelas ecoaram as críticas à ação violenta do Estado, apresentando também algumas demandas que pretendem colocar em pauta junto ao poder público.
 
"Temos discutido muito isso aqui no Observatório de Favelas, a violência contra as comunidades, sem nenhum tipo de diálogo. O Estado só vem aqui com truculência. Esse é um ato de resistência, mostrando que aqui temos trabalho, espaços de discussão, e que o Estado precisa vir aqui conversar conosco ao invés de agir apenas de forma violenta. Discutimos também o direito à cidade, ou seja, o que a cidade nos dá, o que ele precisa nos dar, e o que nos falta. Queremos uma nova forma de cidade para todos, para o pessoal da favela e da Zona Sul, do Centro. Não é com violência, é com educação e cultura que pensamos construir outra cidade. Mais de 130 mil pessoas vivem nesse complexo, é importante escutar a voz dessas pessoas sempre, não apenas na hora em que estão sendo violentadas", disse Rafael Ferreira, morador de Sulacap e aluno da Escola Popular de Comunicação Crítica (Espocc), que funciona no espaço do Observatório de Favelas.

Não queremos mais que a polícia mate as pessoas quando entra na favela, o Estado age de maneira brutal invadindo e atirando a esmo. Isso seria inaceitável em qualquer lugar que não fosse uma favela, e como foi na favela temos que aceitar?
Walnei Succo
morador
"Participo de vários projetos aqui na Rede e no Observatório de Favelas. Esse ato de hoje é importante, porque as incursões da polícia na favela são muito mais constantes que os protestos. Não queremos mais que a polícia mate as pessoas quando entra na favela, o Estado age de maneira brutal invadindo e atirando a esmo. Isso seria inaceitável em qualquer lugar que não fosse uma favela, e como foi na favela temos que aceitar? Não concordo com isso. Na terça-feira em que houve o tiroteio, que foi na minha rua, não pude sair de casa nem dormir durante a noite. E eu não podia sair na rua e pedir para parar, porque podia levar um tiro e a polícia alegar que eu era traficante, ou que estava escuro, são mil alegações possíveis", listou Walnei Succo, morador da Nova Holanda.
 
Para ele, o trabalho de organizações como o Observatório de Favelas é uma oportunidade para construir um futuro diferente. "Trabalho na área de audiovisual. O Observatório de Favelas me deu a oportunidade de trabalhar com arte e desenvolver esse trabalho aqui na minha comunidade, sem precisar ir para o Centro ou Zona Sul, onde se concentram a maior parte dos equipamentos culturais da cidade. Posso difundir a cultura da favela e viver dela, porque é muito rica, mas é discriminada pois é própria de um lugar abandonado pelo Estado", criticou.
 
Morador de Laranjeiras, na Zonal Sul, Guilherme Fernández esteve presente ao ato na Maré. "O que me fez vir aqui, como outras pessoas que não são moradoras da Maré, tem a ver com a violência dos últimos dias contra as manifestações de rua. Mas aqui acontecem mortes, noticiadas sempre através da versão da polícia. Acho esse ato de hoje o mais importante de todos os que aconteceram nas últimas semanas. Aqui estamos lidando com vidas humanas, quem morreu não pode mais se manifestar, não pode mais produzir mais nenhuma mensagem reveladora do que acontece aqui. É um momento de reflexão e solidariedade", ressaltou.
 
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