07/08/2017 - 16:31 | última atualização em 08/08/2017 - 12:55

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Lei Maria da Penha: 11 anos de um marco

redação da Tribuna do Advogado

Em briga de marido e mulher, hoje se mete a colher. E é graças ao movimento que vem acontecendo desde que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11. 340), o maior marco legal no enfrentamento à violência de gênero no país, foi aprovada, há exatamente 11 anos.
 
Batizada em homenagem à luta de uma farmacêutica cearense, que ficou paraplégica após ser baleada por seu marido enquanto dormia, foi mantida por ele em cárcere privado, e ainda sobreviveu a outra tentativa de assassinato por eletrocussão durante o banho, a lei veio em seguida a uma condenação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) ao Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica e uma recomendação para que fosse criada uma legislação específica para esses crimes.
 
A norma disciplinou diversas questões, como medidas de prevenção, medidas protetivas de urgência, assistência judiciária e até mesmo atendimento multidisciplinar. Recebida em 2006 com muita reação de inconformidade, segundo análise da presidente da comissão OAB Mulher da OAB/RJ Marisa Gaudio, hoje, de acordo com a pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013), pode-se dizer que há um entendimento maior sobre seu significado: apenas 2% da população nunca ouviu falar dela. A mesma pesquisa demonstra a efetividade da lei em relação às denúncias – para 86% dos entrevistados, as mulheres passaram a denunciar mais os casos de agressão doméstica após a promulgação da lei e também 86% concordam que a violência contra elas deve ser denunciada à polícia.
 
Porém, o que muitos não entendem ainda, segundo Marisa, é que não se trata apenas de uma proteção sobre violência física: “há também as violências sexual, moral, psicológica e patrimonial”.
 
Ela explica que há muitos questionamentos sobre a aplicabilidade da lei ser só para mulheres: “se trata de uma questão de balancear disparidades. Para nós é muito claro, assim como existe o Estatuto do Idoso, da Criança, existir uma lei como esta, porque há uma condição de vulnerabilidade. E vale lembrar que a lei se refere a todo o núcleo familiar, e independe de orientação sexual”.
 
Um dos marcos da evolução da lei ao longo dos seus onze anos, segundo ela, foi o entendimento de que o prosseguimento do inquérito independe da vontade da vítima: “Muitas vezes a vítima é coagida pelo agressor a retirar a queixa. Hoje, ela não pode retirar na própria delegacia, o inquérito continua e ela só pode se manifestar mediante um juiz, que avalia o caso em questão”.
 
A falta de delegacias especializadas é, para Marisa, um dos principais entraves para a efetivação da lei. “Faz toda diferença que a mulher se sinta acolhida quando passa por uma situação de violência doméstica e as delegacias especializadas têm profissionais preparados para esse atendimento. Independentemente disso, nosso pleito é que em cada delegacia comum também tenha uma sala de recebimento de mulheres vítimas de violência, para que possam dar seu relato de forma privada”.
 
Lei não tem só caráter punitivo
Em entrevista dada em março à Tribuna do advogado, a advogada Carmen Hein de Campos, consultora da ONU Mulheres na Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR) para a implementação da Lei Maria da Penha, citou outro ponto que acredita ser prejudicial ao melhor aproveitamento da lei: o foco dado a seu caráter punitivo. Segundo ela, esse poderia ser um dos fatores para a manutenção da cultura de violência de gênero.
 
Ela cita que entre os dispositivos pouco conhecidos da Lei Maria da Penha está a previsão, em seu artigo 35, de que sejam criados, pela União, estados e municípios, centros e serviços para realizar atividades reflexivas, educativas e pedagógicas voltadas para os agressores. Segundo Campos, que assessorou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher e coordenou a elaboração de seu relatório final, esta é uma parte importante das ações de enfrentamento ao problema, mas que ainda conta com poucos serviços no país.
 
 Os resultados esperados da implantação desses serviços seriam a responsabilização do homem pela violência cometida, em paralelo à desconstrução de estereótipos de gênero. O trabalho se somaria a ações educativas e preventivas para coibir o problema em duas frentes – evitando que o agressor volte acometer violência, em sentido mais imediato, e mudando mentalidades, para resultados no médio prazo.
“Quando se pensou a Lei Maria da Penha era exatamente pelo entendimento de que o sistema da Justiça criminal não dava conta da prevenção da violência e de que era preciso desenvolver um olhar sobre a condição em que ela se desenvolve, dos fatores que tornam inviável para as mulheres sair dessa situação”, observa a advogada.
 
A reportagem 8 de março: o que há para comemorar?, que pode ser acessada no link acima, traz mais opiniões de especialistas sobre os avanços e estagnações em relação à violência de gênero no país frente a um quadro ainda alarmante de agressões e mortes de mulheres no país.
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