23/11/2017 - 10:12 | última atualização em 23/11/2017 - 10:28

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Lamachia defende que PEC pelo fim do foro privilegiado volte a ser pauta

Folha de S. Paulo

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, nesta quinta-feira, dia 23, o presidente do Conselho Federal, Cláudio Lamachia, defende que entre em pauta de discussão no Congresso, com urgência, a PEC que pretende acabar com foro privilegiado. "É desejável e salutar que o Congresso retome a discussão porque, no processo legislativo, diferentemente do que ocorre no tribunal, é possível ampliar o foco e incluir no debate, por exemplo, o fato de o foro não ser o único instituto usado de forma distorcida em nosso arcabouço jurídico", destacou.

Leia a íntegra do texto abaixo:

Acabar com privilégios e proteger a República

A entrada em pauta, no Supremo Tribunal Federal (STF), do caso que discute a validade do foro por prerrogativa de função nos faz lembrar que está parada no Congresso a proposta de emenda à Constituição que pretende, justamente, acabar com esse instituto popularmente conhecido como foro privilegiado.
Trata-se de uma demanda urgente e necessária. Afinal de contas, já se passaram 128 anos da proclamação da República e 32 anos do fim da ditadura militar. Não faz mais sentido mantermos no arcabouço legal alguns privilégios típicos de impérios e ditaduras.
 
É desejável e salutar que o Congresso retome a discussão porque, no processo legislativo, diferentemente do que ocorre no tribunal, é possível ampliar o foco e incluir no debate, por exemplo, o fato de o foro não ser o único instituto usado de forma distorcida em nosso arcabouço jurídico.
 
A questão não deveria ser, pura e simplesmente, colocar abaixo o instrumento do foro por prerrogativa de função, que foi criado originalmente para proteger os cargos e as instituições - não os seus ocupantes. O alvo da investida deve ser todo o sistema de privilégios.
 
Mudar o texto constitucional é um movimento muito sério, que deve servir ao aperfeiçoamento do sistema normativo.
 
Por isso, precisa ser precedido de um debate igualmente sério e aprofundado - o que, infelizmente, é raramente feito no Brasil. Tanto é assim que, desde 1988, quando foi promulgada nossa atual Constituição, já foram feitas 96 emendas. Nos Estados Unidos, cuja Constituição data de 1787, foram feitas só 27 emendas - a última, de 1992, proibiu deputados e senadores de aumentarem o próprio salário.
 
Mergulhado em profunda crise política e institucional, o país tem grande demanda por valores éticos mais rígidos, sobretudo com relação ao trato da coisa pública e à aplicação dos princípios da equidade perante a lei. Nesse sentido, o foro privilegiado não é a única afronta à igualdade de todos perante a lei.
 
É preciso inserir nesse debate a concessão indiscriminada de carros oficiais, de escoltas armadas, de viagens de avião, de auxílio-moradia, de jantares, de festas pagas com dinheiro público e diversos outros exemplos. Nessa lista de regalias estão ainda os super-salários dados a alguns altos servidores públicos do Legislativo, Executivo, Judiciário e do Ministério Público, que não veem problema em receber mais do que o teto definido na lei que deveria valer para todos.
 
O teto se tornou ficção, um verdadeiro faz de conta. Não há justificativa para alguns agentes públicos receberem verdadeiras fortunas enquanto os outros - a maioria têm seus parcos salários atrasados e parcelados.
 
O grande pleito da sociedade, depois dos protestos de 2013 e dos movimentos pelo impeachment de Dilma Rousseff e de Michel Temer, é o fim do tratamento diferenciado para os grupos que conseguiram se apropriar da lei para se blindar das suscetibilidades a que estão sujeitos todos os cidadãos.
 
A intenção da Constituinte jamais foi criar um "foro privilegiado" nem castas de agraciados com benefícios contrários à isonomia entre as cidadãs e cidadãos.
 
Para retomar os rumos definidos na Constituição, é preciso banir as regalias e definir quais são as pouquíssimas funções que realmente requerem atenção do Judiciário contra as oscilações de adversários políticos e do mercado. Isso é proteger as instituições, não seus ocupantes.
A existência de milhares de detentores de foro e de outros privilégios, como ocorre hoje, é uma distorção cruel da lei.
 
Cláudio Lamachia é presidente nacional do Conselho Federal da OAB.
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