18/12/2012 - 09:56 | última atualização em 18/12/2012 - 10:01

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Justiça suspende licenças ambientais para píer polêmico

jornal O Globo

A Justiça do Rio suspendeu, por tempo indeterminado, qualquer iniciativa de tirar do papel o projeto que prevê a construção de um píer em Y na Zona Portuária do Rio. O juiz da 15ª Vara de Fazenda Pública, João Felipe Nunes Ferreira Mourão, concedeu liminar numa ação popular proposta pela deputada estadual Aspásia Camargo (PV), cancelando as licenças ambientais já concedidas pela Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Na decisão, João Felipe também determina a suspensão da assinatura do contrato entre a Companhia Docas do Estado do Rio de Janeiro e o consórcio Rio Y Mar, que venceu a concorrência para executar as obras estimadas em mais de R$ 250 milhões.

Na ação, a deputada estadual Aspásia Camargo (PV) cita possíveis danos ambientais e paisagísticos que o projeto poderá provocar na Zona Portuária da cidade. No documento, Aspásia destacava que Constituição Federal e legislações ambientais federais exigem a elaboração de estudo prévio de impactos ao meio ambiente para a instalação de obra ou atividade causadora de significativa degradação ambiental. A Ceca, porém, dispensou os estudos. Isso acelerou a na Zona concessão das licenças prévias e de instalação do projeto. Docas e o governo do estado podem recorrer.

A liminar foi comemorada por arquitetos e urbanistas que se opõem ao plano de construção de um novo atracadouro, entre os armazéns 2 e 3, para receber simultaneamente seis transatlânticos, que podem chegar a 60 metros de altura.

Eles acreditam que os navios possam causar impacto urbanístico e visual a bens tombados como o Mosteiro de São Bento, ou que interfiram em projetos de revitalização da área como o futuro Museu do Amanhã, no Píer da Praça Mauá. Para os especialistas, a paralisação por ordem da Justiça permitirá a realização de um amplo debate sobre o tema. E é uma forma de buscar alternativas, como executar a obra em outro ponto do porto ou mesmo não realizá-la.

"A paralisação permitirá que se abra uma discussão com a sociedade para encontrar uma solução que atenda a todos os interesses", disse o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães.

IAB quer mais debate sobre o tema

Sérgio acrescentou que o IAB pretende promover grande debate com todos os envolvidos para tentar chegar a um consenso. Serão convidados representantes de Docas, do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da prefeitura do Rio e de outros órgãos.

Aspásia Camargo, por sua vez, considerou a decisão judicial uma vitória para a cidade. Ela lembra que há 40 anos discute-se um plano para revitalizar a Zona Portuária.

"Justamente quando o Porto Maravilha começa a ser executado surge um projeto insperado de Docas que pode comprometer o plano de recuperação. Os investimentos novos na Zona Portuária, como a reurbanização da Praça Mauá e a construção de equipamentos como o Museu do Amanhã, foram cuidadosamente planejados para serem integrados com a parte histórica da região. O píer em Y nunca fez parte desse planejamento", disse Aspásia.

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura, Vicente Giffone, a decisão judicial foi acertada.

"A Companhia Docas alega que a construção do píer cumpre critérios técnicos. Mas num plano de recuperação como o que está sendo desenvolvido na Zona Portuária, o lado técnico não pode prevalecer sobre o legado de um projeto como esse para a cidade", disse Giffone.

A decisão judicial foi tomada em meio a polêmicas negociações entre Docas e a prefeitura. Docas estuda "desalfandegar" os armazéns 1 e 2, vizinhos ao Pier Mauá, para criar uma nova área de circulação de público na Zona Portuária. Mas, na avaliação de especialistas, o prejuízo à paisagem da Zona Portuária seria o mesmo. Criticado por concordar com a negociação, o prefeito Eduardo Paes preferiu não se manifestar ontem. Na véspera, Paes alegou que não tinha como interferir numa decisão da União.

"Vamos debater. Por que não seria possível construir o píer em Y mais próximo ao Caju e, ao mesmo tempo, liberar esses dois armazéns para se integrarem à cidade? Seria mais interessante", disse o deputado federal Otávio Leite (PSDB) que, na semana passada, organizou audiência pública no Congresso sobre o projeto.

Docas informou que ainda não foi citada no processo. E que quando for intimada oficialmente tomará as medidas legais necessárias. Em novembro, porém, Docas informara que a licitação já havia sido concluída, mas que o contrato ainda não havia sido assinado para dar uma oportunidade ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de se manifestar sobre o caso.

Em nota, o Inea alegou que a polêmica do píer em Y diz respeito essencialmente a uma questão paisagística. Para o órgão, do ponto de vista estritamente ambiental, em relação a um porto instalado há mais de cem anos, a construção do píer não representa impactos ambientais significativos. O Inea acrescentou que as autorizações ambientais não são válidas sem as licenças dos outros órgãos envolvidos no projeto, como o Iphan, a prefeitura e a Marinha.

A liminar foi concedida na noite de sexta-feira. No despacho, o juiz João Mourão lembra que a área passa por um processo de revitalização que corre o risco de ser comprometido:

"Não se pode também fechar os olhos para o impacto que a conclusão de tal obra trará à região (..) que passa por importantes intervenções urbanísticas que visam justamente a resgatar a plasticidade e beleza sem iguais da área portuária da cidade e que há muito encontra-se encoberta por viadutos e construções ali existentes. (...). Tendo em vista o notório gigantismo dos navios transatlânticos que passarão a aportar nos píeres, encobrindo não só a vista do Mosteiro de São Bento quanto do futuro Museu do Amanhã (...) o risco de dano de difícil reparação é latente, tendo em vista já ter havido a conclusão da licitação da intervenção" escreveu em seu despacho o juiz João Mourão.
 
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