18/04/2016 - 12:14

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Juristas questionam validade da lei que autoriza ‘pílula do câncer’

jornal Extra

Além de provocar a ira da comunidade científica, a decisão da presidente Dilma Rousseff de liberar a fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”, está sendo contestada por juristas. A falta de consulta à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é apontada como o principal ponto fraco da nova lei. Especialistas acreditam que, sem os testes clínicos exigidos para que a substância seja classificada como “medicamento”, a disponibilidade do produto com o consentimento do governo federal põe em risco a segurança do consumidor.

Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) e mestre em Direto da Regulação, Rafael Véras reconhece que o paciente deve ter autonomia para buscar qualquer tratamento que garanta a sua sobrevivência, incluindo métodos científicos, alternativos e religiosos. No entanto, a Anvisa, que exerce o papel de “polícia sanitária”, segundo ele, é imprescindível para definir se um medicamento é ou não seguro e eficaz.

"Essa nova lei caracteriza um contorno institucional para que a vontade política prevaleça sobre a vontade reguladora, independente e isenta, já que o governo esvaziou a competência da Anvisa", condena Véras.
O advogado Marcelo Calixto, professor de Direito do Consumidor da PUC-Rio, também considera que a aprovação da medida acarreta em danos à saúde do usuário da “pílula do câncer”.

"É direito fundamental do consumidor ter segurança contra os riscos provocados por serviços perigosos e nocivos", ressalta. "É um problema, porque, como a substância não passou pelos testes necessários, não conhecemos seus riscos. Sem um estudo rigoroso, temos uma lei formada por uma antecipação inadequada e criticável".

Causas perdidas

Consumidores insatisfeitos com o tratamento à base de fosfoetanolamina sintética, no entanto, precisarão trilhar um caminho obscuro na Justiça. A ação civil pública começa na vara federal, mas o governo pode alegar que só aprovou a substância com base nos estudos conhecidos até a assinatura da lei.

"Os fabricantes, por sua vez, responderiam a ações nas varas estaduais, mas eles podem afirmar que não sabiam os efeitos adversos da 'pílula do câncer'" explica Calixto. "Mas, na verdade, eles têm muitos meios para obter informações sobre os produtos, já que aprofundam os estudos sobre as substâncias antes de vendê-las. E os fornecedores também poderiam ser acionados".

Conselheira da OAB/RJ e professora de Pós-Graduação de Direito da Uerj, Vânia Aieta avalia que a abordagem dada pelo governo à fosfoetanolamina sintética pode determinar sua validade jurídica.

"Muitos produtos, como vitaminas e pílulas anticoncepcionais, são comercializados em larga escala sem a aprovação da Anvisa. Se a pessoa aceita tomar, tem também uma parcela de responsabilidade", diz. "Outra situação, muito mais grave, seria se o governo tivesse apresentado a substância como a cura do câncer.
Ainda assim, Vânia acredita que as ações judiciais contra a “pílula do câncer” são causas perdidas: os fabricantes da fosfoetanolamina sintética podem se proteger descrevendo uma série de possíveis efeitos colaterais na bula, por exemplo".

"Quem lê bula não toma remédio. Há sempre uma lista de inúmeras recomendações", afirma. "Ainda estamos tateando possibilidades legais sobre a fosfoetanolamina sintética, porque não conhecemos uma situação semelhante".
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