17/09/2008 - 16:06

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Julgamento sobre fetos anencéfalos será em novembro

Julgamento sobre fetos anencéfalos será em novembro


Do Jornal do Commercio

17/09/2008 - Ao encerrar, nesta terça, dia 16, no Supremo Tribunal Federal (STF) a quarta audiência pública sobre o direito da mulher de interromper uma gravidez de feto anencéfalo, o relator da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ministro Marco Aurélio, confirmou para novembro próximo o julgamento da ação, mas advertiu: "há quem diga que eu sou otimista em excesso quanto à agilização da máquina judiciária". Ele disse que o processo esteve parado por quatro anos com a finalidade de aguardar um momento propício para a realização da audiência pública.

Foram quatro dias de apresentação de argumentos, opiniões, palestras e dados científicos. De um lado, defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos; de outro, os que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro. Foram ouvidos representantes de 25 instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros. O ministro registrou que a audiência pública foi norteada pela espontaneidade e pela liberdade em seu sentido maior. Avisou que tudo o que foi falado durante os debates será integrado ao processo com DVDs que serão encaminhados aos ministros do Supremo.

Marco Aurélio disse que vai preparar o relatório e voto e pedir dia para julgamento da ação. "Sem elementos não há julgamento, não se julga", afirmou. Fez um balanço da audiência ao declarar que esta foi a que teve a apresentação de mais esclarecimentos, o que vai permitir que a Corte conclua o processo com mais segurança e que atenda aos interesses da sociedade em geral. Esta foi a terceira audiência pública promovida na história da Corte. As duas anteriores foram sobre pesquisa em células-tronco embrionárias e sobre importação de pneus usados.


Considerações

O advogado Luis Roberto Barroso, que propôs a ADPF 54 em nome da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, disse que foram quatro sessões longas e extremamente proveitosas e agradeceu às diferentes entidades religiosas, científicas, médicas e da sociedade civil que participaram do debate. Em nome da Confederação, Barroso destacou o privilégio de ter compartilhado essas sessões com pessoas de grande qualificação técnica e moral.

Ao final, ele fez suas considerações sobre o debate realizado e destacou que o diagnóstico é feito com 100% de certeza e é irreversível, além de dizer que a rede pública de saúde tem plenas condições de fazer o diagnóstico assim como realizar o procedimento médico adequado. Disse ainda que a anencefalia é letal em 100% dos casos, sendo que 50% morrem durante a gravidez.

Na opinião dele, prosseguir com a gravidez traz risco para a saúde da mulher e lembrou que não é possível transplantar órgãos de anencéfalos, além de afirmar que a interrupção deve ser tratada como antecipação terapêutica do parto e não aborto. Por fim, disse que a anencefalia não se confunde com deficiência, pois não há crianças ou adultos com anencefalia.


Ministério Público

O representante do Ministério Público, o subprocurador-geral da República Mário José Gisi, destacou que depois da criação da TV Justiça a realização de audiências públicas foi o segundo grande passo dado pelo Supremo Tribunal Federal para aproximar o Judiciário da sociedade.

Para ele, essas quatro sessões demonstraram o quão necessário é ouvir diversos segmentos, e a Corte, por mais sábia que seja, não teria condições de coletar tantos dados e tantas diferentes posições trazidas pelos especialistas.


Direito de escolha

A socióloga Eleonora Menecucci de Oliveira, professora titular do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo, defendeu na audiência pública que a retirada do feto deve ser uma escolha dos pais. Ela explicou que a legislação brasileira impõe à gestante - já fragilizada pelo diagnóstico médico - um segundo sofrimento: o de ter de correr pelas instâncias judiciais em busca de autorização para interromper a gravidez e, muitas vezes, não a conseguir. "O que esperamos do tribunal é que poupe a mulher de um processo tão desgastante, que se soma ao sofrimento do diagnóstico", destacou.

Eleonora citou o caso de uma jovem peruana que, diante da negativa do Estado em conceder-lhe o direito de abortar um feto anencéfalo, recorreu à Organização das Nações Unidas em 2005. A resposta do Comitê de Direitos Humanos foi no sentido de reconhecer o direito de opção da mãe. "O Comitê considerou que a impossibilidade de interromper gerou sofrimento excessivo à jovem", informou. Em 1996, o comitê já havia considerado como desumana a tipificação do aborto de anencéfalos como crime.

Na opinião da socióloga, a mulher é quem mais conhece o seu corpo e saberá como lidar com os efeitos psicológicos da gestação. A obrigação da medicina é informar em detalhes sobre a vida do filho e sobre os riscos que a mãe corre. A partir daí, a escolha seria pessoal. Manter obrigatoriamente a gestação expõe a mãe a um processo de tortura, sofrimento e medo. "A obrigatoriedade é uma situação limítrofe de vulnerabilidade que a atual legislação impõe a ela", criticou.

A socióloga lembrou que nem todas as mulheres optam pela interrupção. E defendeu que aquelas que optam deveriam ter esse direito garantido, assim como as que optam por continuar já encontram respaldo na lei. Não é possível a lei garantir os direitos de só uma parte das mulheres. "O que nós queremos é o direito da escolha. Se quiser, a mulher aborta, se não quiser, leva a gravidez até o fim", resumiu.

Eleonora coordena o serviço de atendimento a mulheres violentadas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ao lado do qual funciona o serviço de atendimento de medicina fetal.


Contra o aborto

A ginecologista e obstetra Elizabeth Kipman Cerqueira defendeu a continuação da gravidez em caso de bebês anencéfalos. Ela começou sua apresentação lembrando que diversos especialistas que se apresentaram na audiência afirmaram que, dentro do útero, não é possível determinar a morte encefálica. Quem afirma isso está passando por cima de critérios científicos, afirmou.

Destacou trabalho realizado por estudiosos nos Estados Unidos, que, segundo ela, provou que os nenéns que nascem com anencefalia e ficam vivos não têm possibilidade de terem a sua morte encefálica determinada e muito menos quando está dentro do útero. Por esse motivo, a sociedade americana de medicina suspendeu autorização para a retirada de órgãos de bebês anencéfalos que nasciam.

Elizabeth disse que com 14 semanas se identifica um caso de anencefalia, mas apenas com 24 semanas é que isso se desenvolve, porque o tecido nervoso continua se desenvolvendo mesmo num feto anencéfalo. "O feto é vivo. Seriamente comprometido quando nasce, com curtíssimo tempo de vida, mas está vivo", disse.


Legitimidade

A ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, afirmou que a iniciativa do STF em promover a audiência pública sobre o tema engrandece o Judiciário brasileiro e a decisão que for tomada terá legitimidade muito mais ampla junto à sociedade brasileira.

Desde 2004, segundo Nilcéia, o Conselho Nacional de Direitos da Mulher, que preside, se manifestou favorável a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. O que o Conselho defende, de acordo com ela, é que a mulher seja vista como sujeito de direito em quaisquer circunstâncias e, portanto, seja respeitada como tal.

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