08/05/2017 - 19:24 | última atualização em 08/05/2017 - 19:46

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José Eduardo Cardozo ministra palestra a jovens advogados

redação da Tribuna do Advogado

"Quando participar de um julgamento sabendo de antemão que não será ouvido pelo juiz, não desista de seus argumentos. Em vez disso, é melhor citá-los bem alto, de forma a ser ouvido fora da sala de audiências". A frase foi proferida pelo ex-ministro da Justiça e atual procurador do município de São Paulo, José Eduardo Cardozo, durante palestra realizada no II Encontro de Jovens Advogados do Sudeste, que aconteceu na OAB/RJ nos dias 5 e 6 de maio (Leia mais sobre o evento aqui). Segundo ele, o ensinamento passado aos novos colegas vem dos seus tempos de faculdade, época em que vigia a ditadura militar, e o acompanhou ao longo de sua carreira, inclusive no julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, realizado em 2016, no qual atuou como advogado de defesa. 
 
A palestra de Cardozo fez parte de painel sobre o protagonismo da advocacia nas transformações sociais. O presidente da comissão OAB Jovem da Seccional, Tomás Ribas, ressaltou a importância do assunto dando exemplos de medidas práticas que a Ordem vem realizando. "Temos um projeto de lei de iniciativa popular para que tenhamos nas escolas aulas sobre direitos e garantias fundamentais. Não é uma introdução ao Direito, mas noções para que as pesoas possam se entender como cidadãos, para que possam se defender de eventuais arbitrariedades. 
 
Tendo calcado sua palestra em experiências próprias e nos questionamentos surgidos ao longo de sua trajetória, Cardozo abordou o início da vida acadêmica e suas decepções com as limitações impostas à época. Ele citou o famoso jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen ao abordar a falta de neutralidade no Direito e a necessidade de uma educação plural. "O juiz, o promotor e o advogado não são neutros. O magistrado quando julga o faz com sua carga histórica, preconceitos, visão de mundo e ideologia, por mais que ele diga que não. A própria postura de dizer que é neutro é ideologica. O Direito é a expressão das relações culturais de um certo momento e a cultura não é neutra. Há sempre valores nesta cultura", disse. O ensino nas faculdades também foi assunto durante a palestra: "Um professor não precisa ser neutro, e jamais será, mas tem que ser plural. Alguém que não se feche e não seja intolerante".
 
Ao falar sobre "julgamentos de carta marcada", deixando incerto se referia-se aos tempos de estudante, durante a ditadura militar, ou ao julgamento de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, Cardozo proferiu a frase que abre esta matéria e destacou, também, a necessidade de utilização da retórica jurídica para denunciar a negação de direitos. Foi quando lembrou Sobral Pinto, que invocou os direitos dos animais para obter um habeas corpus em favor do alemão Harry Berger, perseguido durante o Estado Novo. "Os operadores devem utilizar o Direito para lutar pelo que acham justo", ressaltou.
 
Por fim, o ex-ministro da Justiça enfatizou a necessidade de realização pessoal com a profissão e buscou deixar uma lição aos colegas em início de carreira: "Se você estiver bem consigo mesmo, cumpra seu papel de advogado. Isso dará um resultado que não será apenas ganhar dinheiro e viver bem, mas um algo que dirá 'eu fiz alguma coisa'", finalizou.
 
Da mesma mesa participaram a advogada e professora de história Fernanda Martins e o presidente da OAB Jovem de São Paulo, Leandro Nava. Enquanto Martins abordou o conceito de Justiça e o papel do advogado no contexto político-social atual, Nava frisou a necessidade do amplo acesso ao Judiciário e do respeito à Constituição e às prerrogativas da classe.
 
Propositalmente provocativa, Fernanda levantou uma série de questionamentos com o intuito de gerar uma reflexão sobre o Direito e o cenário contemporâneo, e citou o livro Justiça - O que é, como se faz, do filósofo francês Jean Luc Nancy. "Qual é a sensação de Justiça? Qual o conceito de Justiça? Não tenho muito como dizer o que é, mas todos sabemos, desde criança, quando estamos sendo injustiçados", afirmou.
 
Ela defendeu, ainda, que a profissão seja exercida com mais paixão, especialmente por aqueles que estão entrando no mercado de trabalho. "Temos que ter professores de Direito preparados para construir advogados e advogadas melhores, não operadores do Direito. Operador de Direito é a cara da burocracia. Nós somos juristas, temos desejo de Justiça. Desta singular e inexata, do sempre novo. A advocacia é puro amor, se você não ama a advocacia, você acaba desistindo. O que nós precisamos saber, antes de qualquer ação, é que nunca se é justo o bastante, e que isso deve ser o bastante para uma transformação social através de nossa profissão", considerou.
 
Nava iniciou sua exposição lembrando o artigo 133 da Constituição, que afirma ser o advogado "indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Segundo ele, para que a advocacia seja protagonista da transformação social, é necessário, em primeiro lugar, que o Estado ofereça um amplo acesso à Justiça. "E estudo. Muito estudo. O Direito é uma ciência humana, não exata. Ela vem atender aos anseios da sociedade. Como formadores de opinião temos que, com pensamentos divergentes ou convergentes, estarmos sempre em prol da advocacia. Temos que pensar um pouco fora da caixa jurídica, ampliar a nossa visão. Mas em momento algum podemos deixar de zelar por nossas prerrogativas", disse.
 
Fechando o painel, o procurador-geral da Seccional, Fábio Nogueira, destacou a importância do encontro para os jovens advogados e demonstrou preocupação com o momento de instabilidade enfrentado pelo país e, mais especificamente, pelo Rio de Janeiro. "Estamos demonstrando a pluralidade da OAB/RJ, temos sido efetivamente democráticos. Mas vivemos uma crise de institucionalidade no país. As instituições perderam a dimensão de seus papeis. Em 2017 estamos falando em necessidade de garantias processuais, será que isso é tão complicado assim?", finalizou.
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