26/05/2018 - 18:00 | última atualização em 26/05/2018 - 18:13

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III Colégio de Presidentes de Subseção: em debate sobre segurança pública, especialistas criticam soluções imediatistas

redação da Tribuna do Advogado

         Foto: Lula Aparício  |   Clique para ampliar
 
 
Eduardo Sarmento
 
Decretada em 16 de fevereiro pela Presidência da República, a intervenção federal no Rio de Janeiro foi o ponto central do painel sobre segurança pública e violência urbana realizado na manhã deste sábado, dia 26, durante o Colégio de Presidentes de Subseção. Os dois palestrantes, o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj Pedro Castello Branco e o diretor de pesquisa em segurança pública do Instituto Redes da Maré, Edson Diniz, fizeram críticas à medida, em especial por seu viés político e imediatista, e trataram de possíveis caminhos para a resolução dos problemas.
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Os três representantes da Ordem na mesa do evento, o diretor e o coordenador do Departamento de Apoio às Subseções, respectivamente Carlos Andre Pedrazzi e Ricardo Menezes, e o vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Seccional, Renato Teixeira de Sousa, destacaram a relevância do tema diante do atual momento. "Não à toa este é um painel dos mais esperados desde a divulgação da programação. Não poderíamos deixar de tratar da segurança pública frente a um cenário tão grave quanto o que vivemos no país e, mais especificamente, em nosso estado", afirmou Pedrazzi.

Pedro Castello Branco estruturou sua apresentação sobre três eixos: o monopólio da violência legítima exercida pelo estado, o enfraquecimento dessa exclusividade e a relação civil-militar no Brasil. Ele classificou a intervenção como "alarmante", detalhando "as motivações político-eleitorais que resultaram na mobilização de um gigantesco aparato policial para evitar a derrota da Reforma da Previdência no Congresso".

Castello Branco ressaltou que a preocupação com a violência está longe de ser algo recente, tendo influenciado mudanças definitivas na forma de organização da sociedade. "Até mesmo a razão da criação do estado moderno foi garantir a segurança pública", explicou, lembrando que o filósofo inglês Thomas Hobbes tratou do assunto ainda no Século XVII.
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Outro ponto abordado foram as palavras utilizadas, especialmente por parte da imprensa, para tratar da violência urbana. Para o professor, é fundamental fazer uma diferenciação entre os termos guerra e crime. "Não podemos confundir segurança pública com defesa, criminosos com inimigos", disse. Mereceu atenção, também, a "militarização da política", exatamente pelo uso excessivo das Forças Armadas em ações civis. O fenômeno não é uma exclusividade do Brasil, segundo ele. "Os exércitos vem sendo mobilizados em diversas partes do mundo por conta do terrorismo", esclareceu. Além de não estarem preparadas para atuar como forças policiais, Castello Branco acredita que tais mobilizações podem trazer consequências para as próprias forças militares, que perderiam sua função primordial de defesa nacional.

O professor destacou a "erosão do monopólio estatal da violência" promovido pela privatização da segurança pública, alertando que empresas privadas e milícias visam ao lucro, levando vantagem com o aumento da violência. Ele defendeu a valorização das forças apropriadas para combater a violência urbana e a manutenção da subordinação dos militares ao comando civil, estabelecida de maneira clara pela Constituição de 1988. "Me parece que algumas pessoas têm colocado isso em discussão, há um discurso que demoniza a polícia, o Estado. Cada policial que morre significa a perda de um pedaço da autonomia estatal. Precisamos lutar para que a sociedade civil tenha as últimas palavras", considerou, antes de voltar a criticar a rejeição da política. "Não podemos abrir flancos para um salvador da pátria ou para um tratamento messiânico das forças armadas", concluiu.
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Soluções fáceis para problemas complexos não existem, de acordo com Castello Branco, que propôs um debate sobre a atual política de drogas e sobre o tratamento das favelas como o centro da criminalidade. "Temos que, em alguma medida, nos envolver no tema da segurança pública. O monopólio dos meios de violência tem que ser legitimado pela população. Atualmente, a própria policia se tornou vitima de uma política equivocada, calcada na ideia de confronto, em uma postura bélica. Segurança pública envolve diversas áreas", ponderou.

Criado na Favela da Maré, onde estudou em escola pública e fundou o Instituto Redes da Maré, Edson Diniz fez uma palestra baseada em uma realidade com a qual possui intimidade. A intervenção do exército realizada na comunidade entre abril de 2014 e junho de 2015 foi o ponto de partida de suas argumentações. "Durante 14 meses foram gastos R$ 559 milhões, quase nada direcionado a melhorias estruturais ou ao avanço de programas sociais. Não observamos nenhum legado após a ocupação, a não ser a reclamação de 70% dos moradores em relação à abordagem agressiva dos militares", explicou. Com 140 mil moradores, mais do que 96% das cidades brasileiras, 46 escolas públicas e três mil estabelecimentos comerciais, além de três grupos criminosos armados e um batalhão de polícia, a favela da Maré representa um cenário suficientemente complexo para servir de base para uma análise ampla sobre a intervenção, segundo Diniz.
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Entre as possíveis explicações para a crise do estado, Diniz listou a visão estreita da segurança pública como um problema de polícia, a falta de uma agenda que coloque o tema como uma política de estado, e não de governo; a falta de planejamento, liderança e inteligência nas ações de segurança; e a omissão do município nas questões de segurança, sobretudo as preventivas. "Quando a cidade não é de todos, ela pode ser apropriada a partir de desejos particulares. Isso cria uma lógica de cidade fragmentada, onde são criados espaços desiguais, desunidos, que competem. A lógica dos territórios fragmentados são espaços quase autônomos, com códigos e cultura próprios", afirmou.

A intervenção federal na segurança pública foi criticada sob vários aspectos, desde sua justificativa. "Alegaram uma explosão de violência no carnaval deste ano, mas os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro não mostram isso", constatou. Ele concordou com Castello Branco ao afirmar que a "razão oculta" tem relação com o insucesso da Reforma da Previdência proposta pelo Governo Federal. "Era preciso criar uma pauta positiva", disse.

Situações extremas e opostas vividas por outros lugares foram utilizadas por Diniz durante sua apresentação. Ele demonstrou preocupação com a repetição de fator ocorridos no México, que desde 1993 colocou o exército para atuar na segurança pública, apresentando como resultado o aumento da corrupção nas forças armadas, o aumento de 600% no número de reclamações contra os militares e uma disparada da violência com a pulverização das organizações criminosas.
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Em contrapartida, ele acredita ser possível seguir o exemplo de Medellin, na Colômbia, que na década de 1990 era dominada por narcotraficantes, grupos paramilitares, exército e pela polícia mais corrupta do mundo, apresentando uma taxa de homicídio de 380 mortes para cada 100 mil habitantes. Atualmente, este número caiu para 21/100 mil. "Falhas estruturais não serão resolvidas pela força. Não há um remédio só para a segurança publica. É preciso investir na inteligencia e na melhoria das condições de trabalho das policias como forma de combater a corrupção. Temos que desarticular as quadrilhas economicamente, combater a entrada de armas e rediscutir o proibicionismo e a política de drogas. Ações concretas no campo do desenvolvimento social podem ajudar diretamente na segurança. É urgente a necessidade de construirmos de forma coletiva uma cidade compartilhada, humana, democrática e solidária.

Durante o debate que se seguiu, os presidentes de subseção apresentaram a realidade de suas regiões e discutiram soluções de curto, médio e longo prazos.
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