14/08/2014 - 17:45

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Igualdade racial: políticas de segurança e de extermínio pautam seminário

redação da Tribuna do Advogado

A ligação entre o racismo e o contexto da política de segurança pública estadual e nacional e a cultura punitiva reforçada pelo Judiciário foram abordados em seminário realizado na OAB/RJ nesta quarta-feira, dia 13, e que reuniu especialistas de várias áreas para debater sobre o tema e tratar do consequente extermínio de jovens negros no país.

Na abertura do evento, o presidente da Comissão de Igualdade Racial da Seccional, Marcelo Dias, citou dados de pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde que mostra dos que mais de 30 mil jovens morreram em razão de homicídio em 2012, 77% eram negros e que, entre 2002 e 2012, o número de assassinatos de jovens brancos caiu cerca de 30%, enquanto o de jovens negros aumentou 32%.
 
É contraditória uma sociedade que diz não aceitar a matança desses jovens mas que não é contra a guerra contra o tráfico, da forma como é estabelecida
Jorge da Silva
ex-chefe do Estado-Maior da PM
Os números basearam a fala da maioria dos palestrantes. Para o delegado de polícia Orlando Zaconne, o extermínio da juventude negra é conseqüência do atual sistema de justiça criminal. "E só pegarmos para analisar os autos de resistência. Mais de 95% deles são arquivados em menos de três anos. Isso demonstra que essa letalidade não é provocada apenas pela polícia. Quando se arquiva, o Poder Judiciário está dizendo que aquelas mortes estão dentro da lei", ressalta, observando que, de acordo com pesquisa do professor Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 75% dos autos são realizados no interior de favelas e 73% dos jovens mortos são negros e pardos.
 
"Não adianta só reformar a polícia, acreditar que toda essa letalidade acontece porque os agentes não estão preparados, porque essa mentalidade é contemplada pelo sistema legal. Nós temos uma política de extermínio legitimada pelo Estado de Direito e executada pela Polícia", aponta ele.
 
A visão foi reforçada pelo cientista social e ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar Jorge da Silva, que classifica de elitista a visão de que é preciso formar melhor os policiais. "É contraditória uma sociedade que diz não aceitar a matança desses jovens mas que não é contra a guerra contra o tráfico, da forma como é estabelecida. A polícia faz parte desse contexto, mas é muito conveniente para alguns grupos que ela seja a única apontada como culpada".
 
Segundo Zaccone, a saída para acabar com o tráfico de drogas está na legalização. "Só existe uma maneira de darmos conta de todos esses problemas sociais: através de outra política e parte dela é legalizar a cadeia de produção e consumo de drogas".
 
Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro e representante da OAB/RJ na Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da OAB Federal, a advogada Maíra Fernandes falou sobre a superpopulação carcerária no país, que, segundo ela, não para de crescer. "Uma política equivocada de segurança pública tem absoluto impacto no inchaço do nosso sistema prisional", frisou ela, apontando, ainda, problemas como a manutenção de presos provisórios, que ainda não foram condenados, nas unidades.
 
"Segundo dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) temos uma população prisional de mais de 563 mil pessoas em unidades prisionais. Se contarmos com as prisões domiciliares esse número aumenta para mais de 711 mil. E são números assustadores, totalmente decorrentes das políticas de segurança publica que adotamos e que são um problema conjunto do Executivo, pela atuação de suas policias, mas também do Judiciário, que mantém preso quem não deveria estar. E é claro que a questão racial tem um impacto absolutamente forte", completa ela.
 
Segundo o subsecretário de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro, Rafael Viola, a situação no país é de um "racismo velado". "Nós temos um racismo que é palpável no dia a dia, que a população negra sente, mas alguns setores da nossa sociedade insistem em negar. E isso dificulta a implementação de determinadas políticas públicas".
 
A mesa inicial contou ainda com o defensor geral do Estado, Nilson Bruno, que defendeu as cotas para negros em universidades e a importância do diálogo entre as instituições para a adoção de políticas eficazes contra o racismo. O evento também contou com palestras do Presidente do Instituto Nelson Mandela, José Carlos Brasileiro; do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Paulo Rangel; do Coordenador do Fórum Estadual de Juventude Negra Lula Rocha e da pedagoga Vivian de Oliveira.
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