02/05/2016 - 17:05

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Em homenagem do 1º de maio – Dia Mundial do Trabalho - Rita Cortez

redação da Tribuna do Advogado

Hannah Arendt, Ecléa Bois e outros grandes pensadores contemporâneos colocam a preservação da memória como condição indispensável à existência e continuidade histórica dos povos. A lembrança, ao lado da tradição, é que fará com que aquilo que aconteceu permaneça. Lembrar não é somente reviver, mas, sobretudo, é refazer, reconstruir e repensar as experiências vividas no passado.
 
O Dia Mundial do Trabalho nasceu como data comemorativa para lembrar que, em 1º de maio de 1886, no ápice da revolução industrial iniciada um século antes, milhares de trabalhadores, em greve geral, foram às ruas da cidade de Chicago para reivindicar a redução da extenuante jornada de trabalho que deles se exigia. O protesto dos operários resultou, dias depois, na morte de vários trabalhadores e inúmeros feridos. Por proposta, na Segunda Internacional Socialista de 1889, reunida em Paris, foi criado, então, o dia Mundial do Trabalho, a ser comemorado no dia 1º de maio de cada ano.
 
Em 2015, a Comissão Especial de Direito Sindical subscreveu um manifesto comemorativo desta data, lembrando a efetiva participação da OAB/RJ, a partir de 2006, nos eventos realizados na Quinta da Boa Vista, quando ainda eram convocados por todas as centrais sindicais unidas para a celebração das conquistas sociais alcançadas em nome dos princípios republicanos, firmados em 1988, de valorização do trabalho e dignidade de vida para os trabalhadores, e que na expressão da OIT significa promoção do “trabalho decente” em todas as nações.
 
Três anos antes, em 2003, o Brasil, por iniciativa do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e do diretor-geral da OIT, Juan Somavia, lançava a Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD). A agenda definia três prioridades: a geração de mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento; a erradicação do trabalho escravo e eliminação do trabalho infantil, em especial em suas piores formas; e o fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.
 
Boas lembranças que merecem ser registradas na nossa memória e que fazem parte dos acontecimentos relevantes no nosso jovem processo de redemocratização.
 
Um ano depois, em 2016, atravessando uma crise política sem precedentes, foi lançada uma proposta de programa de governo, na hipótese de impedimento da presidente da República, Dilma Rousseff, e com o propósito de ser um instrumento de “salvação da economia nacional”, contendo várias medidas direcionadas a promover, dentre outras, uma profunda reforma trabalhista adversa aos avanços sociais até aqui conquistados e preservados.
 
Tudo ao gosto de uma pauta conservadora, quiçá perversa, de projetos de lei postos em discussão num Congresso praticamente deslegitimado, e do receituário abraçado pelas grandes corporações e pelo capital financeiro internacional.
 
São 55 projetos de lei no Parlamento, segundo dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), de destruição da proteção social ao trabalho, como redução da idade mínima para o trabalho de 16 para 14 anos (PEC 18/2011 – Câmara); exclusão da participação dos sindicatos nas relações de emprego (PL 8294/2014 – Câmara); supressão da jornada exaustiva e do trabalho degradante do conceito de trabalho escravo (PL 3842/2012 – Câmara, PL 5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado); prevalência das Convenções Coletivas do Trabalho sobre as Instruções Normativas do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE (PL 7341/2014 – Câmara); prevalência do negociado sobre o legislado (PL 4193/2012 – Câmara); regulamentação da terceirização plena (PLC 30/2015 – Senado, PLS 87/2010 – Senado); extinção do percentual de 10% nas despedidas sem justa causa (PLP 51/2007 – Câmara e PLS 550/2015 – Senado, já aprovada na Comissão), dentre outras medidas. Na área previdenciária o aumento da idade para aposentadoria e desvinculação dos proventos ao salário mínimo. A Justiça do Trabalho, novamente, é alvo de propostas de extinção, e tem que lidar com cortes orçamentários que praticamente inviabilizam a sua atividade judiciária.
 
Como bem registrou o subprocurador-geral da República, João Pedro de Sabóia de Mello Filho, em encontro dos juristas com a presidente: “Querem flexibilizar a legislação trabalhista, querem acabar ou pelo menos diminuir significativamente programas sociais, enfim, querem que o pobre fique eternamente passando fome”.
 
As investidas de desmantelamento dos direitos sociais elevados à condição de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos não são uma novidade e estamos aqui para, também, lembrar a luta contra medidas de retrocesso social travada ao longo do governo de Fernando Henrique Cardoso e para dizer que no 1º de maio de 2016 estamos sendo chamados, mais uma vez, a resistir e lutar contra tais ataques sempre pautados sob o insustentável argumento de que é necessário reduzir os direitos trabalhistas, para se preservarem os postos de trabalho no combate ao desemprego.
 
No Conselho ou nas comissões da OAB/RJ representamos uma advocacia que contribui para o desenvolvimento social do país, para o bem-estar do povo brasileiro e a defesa dos valores consagrados na Constituição, como carta de afirmação da cidadania. É nosso dever e é nossa missão nos prepararmos para enfrentar os tempos difíceis que se avizinham, principalmente nas relações de trabalho.
 
Os valores sociais concretos, quando destruídos pela aridez do capitalismo, não deixam nada em pé. "Desmancha tudo o que é sólido no ar", parafraseando Marx. Em tempos difíceis (para todos nós), triste do país que não tem memória, nem políticos que se preocupem com ela.
 
Impõe-nos registrar, como Comissão de Direito Sindical, que o 1º de maio de 2016 ficará marcado como mais uma data de resistência da classe trabalhadora brasileira em prol de um país justo, soberano, igualitário e que não pode se esquecer, nunca, de preservar, acima de tudo, os valores sociais do trabalho e de dignidade da pessoa humana como fundamentos da nossa República.
 
*Rita Cortez é presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/RJ e vice-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros
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