26/03/2013 - 12:44 | última atualização em 26/03/2013 - 12:47

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A história do homem que não desistiu de ser PM

blog do Ancelmo

O primeiro infarto do pai, Gilson, levou Rafael Rosales da Matta, carioca de 27 anos, a mandar fazer a primeira tatuagem, uma carpa no braço direito, simbolizando a superação que necessitava, em 2002. Quatro anos depois, Gilson infartou novamente e lá foi Rafael fazer nova tatuagem, dessa vez um desenho do rosto do pai, na perna esquerda. Assim como sofreu cada vez que o pai adoecia, Rafael sentiu na alma a dor de tatuar o corpo. Por causa dos dois desenhos ele amargou mais de três anos de luta na Justiça para garantir seu direito de entrar para a PM do Rio, apesar de uma cláusula no edital do concurso de 2008, que proibia aos candidatos o uso de tatuagem.
 
Na semana passada, o STF bateu o martelo. A ação, ganha pelo advogado Gilson Matta, irmão de Rafael, agora pode criar jurisprudência para outros tribunais no país. "Sofri três anos, literalmente na pele, o preconceito por ter duas tatuagens, que homenageiam meu pai", disse Rafael.
 
Ele foi obrigado a integrar o grupo chamado de 'os liminares', formado pelos candidatos que continuavam na PM apenas por força de decisões judiciais
Um ano e quatro meses depois de chegar à Suprema Corte, o processo, já com 400 páginas, chegou ao fim. O soldado Matta, que foi obrigado a se licenciar, agora será reintegrado à PM, onde pretende fazer carreira.
 
Irmão de advogado, promotor e sobrinho de desembargadora, Rafael muitas vezes ouviu de colegas que para ele seria fácil ganhar na Justiça o direito de entrar para a PM, apesar das tatuagens. Mas ele penou cada marca no corpo.  "Eu andava para cima e para baixo com o processo, levando a quem pudesse me ajudar. Infelizmente não achei ninguém", relembra Rafael que pela primeira vez mostra ao público o rosto e as tatuagens.
 
O jovem estudou um ano de direito, pensando em seguir a carreira jurídica de outros membros da família. Mas, influenciado por colegas que trabalham na polícia, decidiu que iria ingressar na PM. Ele reconhece que já imaginava a luta que enfrentaria por fazer o concurso de 2008, cujo edital proibia aos candidatos o uso de qualquer tipo de tatuagem. Mas notava que já havia visto policiais usando tatuagens e, além disso, os desenhos em seu corpo não apresentam qualquer mensagem que contrarie os princípios da corporação policial.
 
Depois de ter sido aprovado nas duas primeiras etapas do concurso (provas antropométrica e psicológica), Rafael acabou sendo reprovado no exame médico por conta das tatuagens. Imediatamente o advogado Gilson da Matta, irmão de Rafael, entrou na Justiça com um mandado de segurança, obtendo a liminar que garantia ao rapaz continuar no concurso. O governo do estado recorreu, por meio de sua procuradoria, mas a juíza Natalia Khalil Miguel Magluta deu sentença favorável à permanência do candidato. Na sentença, ela classificava o ato da PM como discriminatório. Ele, então, ingressou no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap), onde se tornou um dos responsáveis pela informática, com uma ficha disciplinar sem qualquer mácula.

A ação, ganha pelo irmão do PM, pode criar jurisprudência para outros tribunais no país
Naquele período de Cfap, Rafael lembra que foi justamente quando mais sofreu na pele o preconceito por parte da Polícia Militar. Ele foi obrigado a integrar o grupo chamado de "os liminares", formado pelos candidatos que continuavam na PM apenas por força de decisões judiciais. Rafael se formou e, em vez da solenidade oficial, participou de um juramento à bandeira com o pequeno grupo, que incluía até candidatos que respondiam a processos na Justiça. Ao grupo era vedada participação no policiamento ostensivo, mas ele lembra que foi convocado para a megaoperação policial de ocupação do Complexo do Alemão, em 2010.
 
Naquele ano, outro dia marcante para Rafael foi 17 de novembro, quando saiu a decisão de segunda instância, da desembargadora Odete Knaack de Souza, reformando a sentença que fora favorável ao candidato. O rapaz, então, foi convidado a se licenciar da PM, após um ano e 11 meses na corporação. O período de licença, sem vencimentos, já dura um ano e cinco meses.
 
Com a derrota na Justiça do Estado do Rio, o advogado Gilson da Matta recorreu à Supremo Tribunal Federal, onde ganhou de goleada. Seu principal argumento era o de que a PM passou a aceitar candidatos tatuados, desde que não fosse na face, nos antebraços e no pescoço. Isso ocorreu já no concurso seguinte ao que Rafael participou. A primeira decisão favorável foi do então ministro Ayres Britto, que a tomou sozinho, de forma monocrática. O estado novamente recorreu e agora a derrota é definitiva. Em 19 de março passado, por unanimidade, os ministros Teori Zavascki, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia garantiram a Rafael o direito de voltar a vestir a farda da PM, com tatuagem e tudo.
 
Em todo esse tempo Rafael afirma que nunca desistiu do sonho de ser policial militar, apesar dos baixos salários e das lutas da categoria por melhores condições de trabalho. Numa viagem a Buenos Aires ele acabou prendendo um dos assaltantes de um homem. Outro dia conseguiu deter um menor de idade que havia pulado o muro de uma casa para roubar uma bolsa, em Cascadura, subúrbio do Rio. 
 
Sua perseverança indica que ele deve fazer uma nova tatuagem, num lugar que não permita ser vista, quando estiver usando a farda de policial militar. "Só não sei ainda qual será o desenho que vou mandar tatuar", diz.
 
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