15/08/2011 - 11:04

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Falhas no policiamento aumentam violência em São Gonçalo

jornal O Globo

Uma cidade com perfil estratégico, que na década de 40 do século passado chegou a ser considerada um dos maiores distritos industriais do país. Quem vê São Gonçalo hoje, município que amarga uma renda per capita de R$142 (um estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que no Rio este valor chega a R$811,65), mal consegue acreditar nesse passado próspero. Nos anos 50, no auge da explosão demográfica das periferias brasileiras, São Gonçalo foi alvo de quem tinha o sonho da casa própria e a possibilidade de pagar pelo imóvel a perder de vista. No entanto, a falta de infraestrutura do lugar já estava bem diante dos olhos e, até hoje, faz parte da realidade dos cerca de um milhão de moradores - é a segunda maior cidade do estado -, que convivem diariamente com pobreza e violência.

Executada na noite de quinta-feira, a juíza Patrícia Acioli era responsável pelo julgamento de todos os homicídios no único Tribunal do Júri de São Gonçalo. Ela tentou frear os criminosos, mas acabou emboscada na porta de casa, em Niterói. Patrícia tentou levar mais segurança para o município, onde o efetivo de policiais militares deixa a desejar: segundo o Conselho Comunitário de Segurança Pública da região, o 7º BPM (São Gonçalo) tem cerca de 450 homens no policiamento ostensivo. Ou seja, um PM para cada 2.222 habitantes. E é responsável por aproximadamente dois quilômetros quadrados. O município, porém, tem 248,4 quilômetros quadrados.

Presidente do conselho, o advogado Carlos Alberto de Paula e Silva participa de encontros no batalhão para discutir a segurança pública da região e diz que leva a apreensão da sociedade gonçalense até o comando da área:

- O número de policiais na cidade é diminuto. Violência e criminalidade não são assuntos apenas de polícia. Falta integração entre os governos para levar pavimentação, água, educação e saúde a áreas carentes.

Por estratégia, a PM não divulga números dos efetivos de seus batalhões. A ONU, no entanto, recomenda uma proporção mínima de um PM por 250 habitantes. Presidente da Associação dos Militares, Auxiliares e Especialistas (Amae), o capitão Melquisedec Nascimento calcula que a cidade do Rio tenha, atualmente, um policial para cada 248 habitantes - o efetivo da capital, que tem mais de seis milhões de habitantes, seria de aproximadamente 25 mil homens. Apesar de o Rio estar na média recomendada pela ONU, Nascimento diz que no restante do estado o quadro é bem menos animador:

- Em Caxias, na década de 70, eram 500 mil moradores e 1.400 policiais. Hoje, a população dobrou e o efetivo caiu pela metade. O estado não atualiza seus quadros, mas continua abrindo batalhões. Para montar a equipe, remaneja pessoal, tira um pouco de cada lugar. Isso sem falar nos policiais que saem, se aposentam, morrem, sem que haja reposição de pessoal.

Até 1984, São Gonçalo tinha dois batalhões da PM, o 7º e o 11º (Neves). Naquele ano, o então governador Leonel Brizola transferiu a unidade de Neves para a Região Serrana. O policiamento deficiente contribui para a má fama da cidade, que é considerada reduto de grupos de extermínio. Bairros populosos, como Jardim Catarina, costumam figurar no noticiário policial. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), a área do 7º BPM registrou 144 homicídios no primeiro semestre deste ano.

Presidente da Associação dos Ativos, Inativos e Pensionistas da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, Miguel Cordeiro lamenta o fato de muitos policiais continuarem fora de função: "Não posso afirmar que o batalhão de São Gonçalo tem o menor efetivo, mas está entre os piores. Tem menos do que o de Niterói, que tem uma população menor".

O aumento demográfico, que contribuiu para a favelização e a decadência do município, piorou a partir de 1974, segundo o arquiteto e urbanista Aécio Nery. Integrante da equipe que elaborou o primeiro Plano Diretor do município, em 1976, e atual presidente da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Saneamento de São Gonçalo, ele lembra que naquele ano, com a inauguração da Ponte Rio-Niterói, o crescimento desordenado se acelerou:

"Até a década de 70, éramos 400 mil habitantes. Quando a Ponte e a BR-101 foram inauguradas, as coisas mudaram. A violência no Rio cresceu, e muitas pessoas que viviam em favelas, com medo da insegurança, vieram para São Gonçalo em busca de tranquilidade".

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