08/10/2014 - 10:11

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Exigência do nada-consta gera revolta em motoristas

jornal O Globo

A revogação, anteontem, do decreto municipal que permitia a proprietários de veículos rebocados retirá-los de depósitos apenas com o pagamento das taxas de remoção e diárias vem gerando uma enxurrada de críticas. Ontem, motoristas foram surpreendidos quando tentaram a liberação dos carros. Alguns reclamaram que multas já pagas ainda constam como débito no sistema do Detran. Outros condutores alegam que não receberam o comunicado de multa ou que ainda desejam recorrer da infração. Advogados ouvidos pelo GLOBO afirmaram que a medida é arbitrária, ao ferir o direito de defesa dos motoristas.
 
O mecânico Celestino Lopes dos Santos, de 64 anos, que teve o carro rebocado anteontem na Rua do Resende, no Centro, recebeu a notícia com indignação.
 
"Além da taxa de reboque (R$ 142,25) e a diária do carro no pátio (R$ 57,47), tive que pagar uma multa de R$ 85 que nem sabia da existência", comentou, ressaltando que a multa venceu em junho deste ano, mas a cobrança sequer chegou à sua residência.
 
Pedro Augusto da Silva, de 53 anos, chegou ao depósito na Cidade Nova na tarde de anteontem, mas não conseguiu liberação de seu veículo até as 17h, quando encerra o atendimento. Segundo ele, funcionários informaram que o sistema ainda "não tinha sido atualizado". Na manhã de ontem, em uma nova tentativa, foi surpreendido com a exigência do nada-consta. Para retirar o carro, precisou pagar cerca de R$ 2.200, entre multas e IPVA atrasados, além das taxas de reboque e diária do pátio.
 
"Tive que fazer um empréstimo para pagar este valor. Eu podia ter retirado o carro na segunda-feira sem passar por isso. Meu carro foi rebocado às 13h de segunda-feira e, às 17h, ainda não constava no sistema. É um absurdo", reclamou. A Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop), que administra os depósitos, não confirma a versão.
 
Pagamento duplicado
 
Disposto a entrar na Justiça, o dentista Ricardo Dantas, de 58 anos, passou por uma situação inesperada na manhã de ontem. Uma multa que, segundo ele, foi paga em fevereiro, constava como débito no sistema do Detran. Para reaver seu veículo, teve que pagar novamente o valor de R$ 191,54.
 
"Pago a multa no banco e tenho ainda que avisar pessoalmente ao Detran para que dê a baixa no sistema? Isso não existe", reagiu.
 
Segundo o Detran, em casos como esse, o motorista deverá apresentar o comprovante de pagamento na sede do órgão e solicitar a atualização no sistema.
 
A Seop informou que o decreto de 2011 foi revogado porque a prefeitura realizou um convênio com o Detran, que permite aos proprietários de veículos terem acesso às pendências diretamente pelo site do governo municipal, com o objetivo de facilitar o pagamento. Até 2011, os motoristas precisavam se dirigir à sede do Detran para solicitar o nada-consta. Questionada sobre falta de aviso prévio aos interessados sobre a novidade, a Seop explicou que a administração municipal entendeu que não teria havido necessidade porque essa exigência era realizada até 2011. O período da resolução seria "uma exceção", disse a Seop.
 
Para o presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Armando de Souza, a revogação é passível de questionamento.
 
"Essa medida viola direitos. Não é razoável a prefeitura exigir o pagamento de multas quando o estado tem os meios legais para isso. Se o proprietário estiver com um processo de defesa pendente, como pagará a multa se esta ainda está sob apreciação?", questionou, ressaltando que toda pessoa que se sentir lesada tem o direito de questionar a cobrança na Justiça.
 
Sem direito de defesa
 
De acordo com o advogado especialista em direito administrativo Durval Fagundes, o poder público está atuando contra a lei. Segundo ele, o usuário ainda pode recorrer à Justiça para retirar o carro do pátio sem pagar as multas e as diárias. Fagundes diz que a medida é arbitrária e contraria o direito de defesa:
 
"A administração municipal deveria fazer a execução da dívida pelas ferramentas legais. O que a prefeitura está querendo é que o motorista seja forçado a renunciar ao direito de se defender. É uma prisão preventiva para o automóvel?"
 
Para o advogado, a prefeitura está usurpando o direito do cidadão para arrecadar dinheiro: "Você não vê a prefeitura mover nenhuma ação de execução fiscal, que é o meio legal para fazer estas cobranças. O que estão fazendo é absurdo".
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