11/06/2015 - 10:39

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Exigência de autorização para biografia é censura, decide STF

jornal O Globo

Por unanimidade, os nove ministros do Supremo Tribunal Federal não deixaram dúvidas: exigir autorização prévia para fazer uma biografia é censura. A regra do Código Civil que vigorava até ontem, segundo os ministros, ofendia o princípio constitucional da liberdade de expressão. Porém, na sessão de ontem, os magistrados ponderaram que a decisão não impede quem se sentir ofendido com uma obra de entrar na Justiça depois da publicação, pedindo reparação por eventuais danos sofridos. Não ficaram definidas, no entanto, as formas de reparação. Isso será decidido pelos juízes de primeira instância, na análise de cada caso.
 
A decisão do STF não invalida decisões anteriores da Justiça. Autores ou editoras que se sentirem prejudicados devem recorrer ao Judiciário, ainda que o caso tenha sido encerrado. O mais antigo integrante do tribunal, Celso de Mello, lembrou que, além de indenização, o ofendido pode pedir à Justiça o direito de resposta.
 
A relatora, ministra Cármen Lúcia, argumentou, no voto de 120 páginas, que a Constituição Federal garante a liberdade de expressão, de pensamento, de criação artística e científica, além de proibir a censura.
 
Ela ressaltou ainda que a ampla liberdade de expressão não pode ser suprimida pelo direito das pessoas públicas à privacidade e à intimidade. "O que não admite a Constituição brasileira é, a pretexto de se manter a intimidade de alguém, abolir-se o direito à liberdade do outro de se expressar e criar obras literárias, especialmente obras biográficas", disse.
 
Ainda segundo a relatora, a divulgação da vida alheia é usual na sociedade de hoje. "0 buraco da fechadura atrai. Às vezes é mesmo apenas curiosidade malsã. Às vezes é vontade de saber o que há no quarto trancado. Segredo é comichão no olhar. (...) E há as câmeras que, a propósito de segurança, gravam, mostram e esparram-se em redes que repercutem no mundo em questão de segundos o que se quer e o que não se deseja mostrar. O tempo é outro. Não adianta chorar. Sorria, você está sendo filmado", declarou.
 
Cármen ressaltou ainda que o recolhimento de obras depois de divulgadas é uma forma de censura e, por isso, não poderia ser permitido. O ministro Luís Roberto Barroso concordou - e disse que essa possibilidade só poderia ser considerada em "situações extremas e teratológicas"
 
Já os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, presidente do tribunal, defenderam que, ao analisar casos específicos, juízes tivessem o poder de determinar a retirada de circulação de obras com conteúdo inverídico ou ofensivo ao biografado. A decisão do STF não impede que os juízes determinem a retirada de circulação de livros já publicados. Mas os magistrados não poderão impedir a publicação.
 
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, falou em nome do Instituto Amigo, do cantor Roberto Carlos. Kakay reclamou da decisão.
 
Segundo o advogado, o instituto não considera necessária a autorização prévia para a publicação de obras, mas defendeu a possibilidade de se retirar de circulação trechos de livros com informações erradas ou ofensivas em edições futuras. Proposta com esse teor está em trâmite no Congresso Nacional. "Não é o direito a reparação apenas, mas é necessário ter uma tutela específica para que, na próxima edição, isso não saia", sustentou Kakay.
 
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coelha, a Constituição garante, para o exercício do direito de intimidade, a possibilidade de busca de reparação na esfera judicial. 
 
"Nos casos de calúnia, ofensas a honra, injúria, difamação, a solução será a indenização. Mas certamente não poderá qualquer censor delimitar qual matéria será objeto de biografia, se é relevante ou não. Todos os fatos devem ter relevância para o biógrafo que está exercendo a liberdade de expressão", afirmou.
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