12/12/2012 - 12:46 | última atualização em 12/12/2012 - 14:11

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Evento na OAB/RJ ressalta bravura da advocacia durante ditadura

redação da Tribuna do Advogado

Da ocupação do estádio Caio Martins aos relatos emocionados sobre a morte de uma presa política, a sessão solene promovida pela CNV e pela OAB/RJ esta terça-feira, dia 11, em homenagem a advogados de presos políticos, foi marcada por lembranças do período da ditadura militar e da atuação da advocacia. O evento, realizado na sede da Seccional, se deu no mesmo dia de uma grande homenagem a Sobral Pinto e colheu relatos que serão aproveitados pelo grupo de trabalho Ditadura e Sistema de Justiça, da CNV.
 
Ao abrir o evento, o presidente da Seccional, Wadih Damous, ressaltou a coragem dos advogados presentes, observando que alguns também estiveram nas condições de vítimas: "Esses relatos reconhecem a importância da advocacia, que na época não era somente um exercício profissional, era um exercício de bravura, de desprendimento".
 
Esses relatos reconhecem a importância da advocacia, que na época não era somente um exercício profissional, era um exercício de bravura, de desprendimento
Wadih Damous
presidente da OAB/RJ
O advogado Alcione Barreto iniciou a série de depoimentos observando que a ditadura não era efetivada exclusivamente pelos militares. "Naqueles anos de chumbo havia muitas contradições. Existiam muitos civis que eram mais torturadores do que os próprios militares".
 
Alcione, que defendeu Antônio Freitas Filho, o Baiano, um dos envolvidos no seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969, relatou a dificuldade para obter exame de corpo de delito para seu cliente. "Os advogados pareciam pingos d´água, que de tanto bater na pedra a furaram. A pedra era a ditadura", afirmou.
 
"Existia uma imensa solidariedade entre nós, advogados. Uma certeza da proteção do coletivo, somada a convicções mais profundas que inspiraram nossos comportamentos", resumiu Rosa Cardoso, integrante da CNV, mas que deu depoimento por ter defendido militantes, como, por exemplo, a atual presidente Dilma Rousseff.
 
Rosa disse somente reconhecer a importância de seu passado um pouco antes de integrar a Comissão: "Por muitos anos me recusei a refletir o que se passou. Mas, após dar uma entrevista, vi que já vivi o melhor da minha vida: colocar muitos dos meus clientes em segurança", disse ela.

Uma das declarações mais emocionantes foi a de Eny Raimundo Moreira, que trabalhou por quase vinte anos com Sobral. A advogada deu detalhes por vezes chocantes sobre a forma como sua cliente Aurora Maria Nascimento Furtado, foi, possivelmente, torturada até a morte por agentes do Doi-Codi, em 1972. "No velório, o corpo estava inteiramente mutilado", contou, causando comoção na plateia e na mesa.
 
Outro depoimento que causou emoção foi o do advogado Manoel Martins, advogado preso em abril de 1964 em Niterói. Ele lembrou a situação da cidade. "Quando se deu o golpe, Niterói foi tomada pelo terror, lares foram invadidos. Foi a primeira vez em que um estádio de porte no país, o Caio Martins, foi transformado em campo de concentração", comparou, relatando as condições de vida no local, que teria abrigado cerca de 1800 presos: "Nós, presos no Caio Martins, tínhamos que ir ao sanitário acompanhados por um policial com uma metralhadora".

Por muitos anos me recusei a refletir o que se passou. Mas, após dar uma entrevista, vi que já vivi o melhor da minha vida: colocar muitos dos meus clientes em segurança
Rosa Cardoso
advogada e integrante da CNV
José Carlos Tórtima, ex-conselheiro da Seccional, também foi preso político e deu relatos do que passou. Falou, ainda, sobre as arbitrariedades para prisão ou soltura de pessoas. "Não lembro de nenhuma decisão, em nenhuma auditoria, que mandasse soltar um preso. Nem sob o ponto de vista jurídico da procedência ou não daquela acusação", criticou.
 
O advogado Modesto da Silveira relatou a concentração da opressão no estado do Rio de Janeiro: "Das 20, 21 auditorias militares espalhadas pelos estados, sete estavam no Rio – três do Exército, três da Marinha e duas da Aeronáutica. Esse desdobramento fez com que o Rio de Janeiro tivesse o maior número de presos políticos do Brasil". Segundo Modesto, além do estádio Caio Martins, quatro navios e todas as cadeias estavam cheias de presos políticos. "Além disso", acrescentou, "todos ligados à Justiça que procuravam seguir a lei e a ordem eram cassados".
 
Também deram seus relatos os colegas Dirce Drach, Terezina Gentile, George Tavares e Técio Lins e Silva. A mesa foi formada pela presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional, Margarida Pressburger, pelo coordenador da CNV, Cláudio Fonteles e pela presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Vitória Grabois, além de Rosa e Wadih.
 
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