01/07/2016 - 14:48 | última atualização em 04/07/2016 - 15:17

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“O Estado despreza sua própria polícia”, afirma professor em debate

redação da Tribuna do Advogado

Manoel Messias Peixinho, Guilherme Gouvêa, Fernando Cabral Filho e Alexandre Abrahão  |  Foto: Lula Aparício   |   Clique para ampliar
No primeiro Café com Debate, projeto idealizado pela Escola Superior de Advocacia (ESA) para tratar de temas relevantes à sociedade a partir de posições distintas de dois estudiosos no assunto, o advogado e professor Manoel Messias Peixinho e o juiz e presidente do III Tribunal do Júri do TJ Alexandre Abraão debateram sobre a ação policial e o desafio da segurança pública. Nesta primeira edição, houve um consenso entre os debatedores: o modelo estrutural da polícia, como existe hoje, é precário.
 
Para Peixinho, o próprio conceito de segurança pública no país é “esquizofrênico”, comparando com a visão de outros países sobre a questão, focada na inserção social: “Quando pensamos em segurança pública aqui, a ideia que vem em mente é um conjunto de forças policiais, um aparato do Poder Judiciário, a intervenção do Ministério Público. Mas essa visão não é recepcionada pelo Direito Constitucional comparado. No Direito Constitucional estrangeiro a ideia de segurança pública abrange um conjunto de ações afirmativas do Estado, investimentos que são indispensáveis à segurança tanto interna quanto externa. São ações voltadas, por exemplo, à educação, à inserção, ao aproveitamento e investimento em imigrantes, entre outras coisas”, exemplificou.
 
Manoel Messias Peixinho  |  Foto: Lula Aparício   |   Clique para ampliarO professor também criticou o modelo orçamentário da polícia,  ressaltando o problema da segurança pública no Brasil ser uma ação  de governo, e não de Estado. “A polícia não deveria se preocupar com  a liberação de recursos, porque independentemente da questão  orçamentária anual, deveria existir um plano de metas que  estabeleceria esses recursos como verbas carimbadas e o uso seria  independente de autorização do Estado”.
 
 Segundo ele, o fato de, em alguns municípios, a Guarda Municipal trabalhar armada se daria em razão da carência do exercício de poder da Polícia Militar: “A fragmentação das polícias, para mim, cria, mais uma vez, uma esquizofrenia. Sou a favor da extinção desse modelo”, observou, frisando acreditar na solução pela desmilitarização e unificação das polícias: “Essa ideia de que a Polícia Militar é ostensiva e a Civil é investigativa me parece equivocada. Em outros modelos no mundo há mais integração. Acredito que a unificação seria fundamental para o aprimoramento de políticas públicas”.
 
Peixinho continuou, citando o aumento no número de policiais mortos em serviço nos últimos anos. “Tivemos a implementação das UPPs, mas não houve qualquer tipo de investimento na capacitação dos policiais neste tempo. O Estado despreza sua própria polícia. Os policiais não proteção do Estado, são tratados, em serviço ou na sua folga, como inimigos da sociedade, e são desprezados pela própria Polícia, como instituição, além da mídia. Eles fazem parte de uma política de governo, mas não há nenhum projeto para que eles mesmos possam ter melhor estrutura”.
 
Alexandre Abrahão  |  Foto: Lula Aparício   |   Clique para ampliarO juiz Abrahão reforçou a posição, acreditando que o modelo de  segurança pública atual está falido: “A guerra acabou e nós  perdemos. Essa Polícia que está aí não vai responder pelas nossas  demandas. Chega a ser ridículo ver as autoridades públicas nos  pronunciamentos públicos afirmando que a polícia vai responder  pelas demandas”.
 
 Questionados pelo presidente da Comissão de Processo Penal da casa,  Diogo Tebet, quando o evento abriu para perguntas de comentaristas, os dois especialistas afirmaram que o modelo das UPPs começou bem, mas desandou pelo tratamento dado. “A concepção é interessante, de transformar a Polícia em algo mais próximo, comunitário, e há registros de sucesso. No Vidigal, por exemplo, eles criaram um grupo de apoio à criança, a criminalidade baixou. Mas o fracasso veio com a falta de investimento do Estado”, observou Peixinho.
 
Abraão criticou a expansão desenfreada do modelo: “O projeto virou a galinha dos ovos de ouro do governo, aí começaram a colocar UPP em tudo. Faltou fôlego do Estado, por trás, para bancar. As UPPs não poderiam ter se expandido como se expandiram. A mão de obra do tráfico é muito farta, não pode ser menosprezada”.
 
O debate contou com moderação do vice-diretor da ESA, Fernando Cabral Filho e do advogado Guilherme Gouveia.
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