14/11/2017 - 14:46 | última atualização em 14/11/2017 - 21:41

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Especialistas afirmam que racismo no Brasil é intencional

redação da Tribuna do Advogado

Eduardo Sarmento
Foto: Lula Aparício  |   Clique para ampliar
 
A cada cem pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. A informação consta no Atlas da Violência 2017, estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que afirma, ainda, que, no Brasil, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência. Dados como estes serviram de mote para o debate promovido pela Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil (Cevenb) da OAB/RJ, na última segunda-feira, dia 13, na Seccional. Presidente do grupo, Humberto Adami afirmou que "a situação é dramática", e que deveria causar indignação o "verdadeiro extermínio" que acontece. Segundo a maioria dos especialistas que participaram do evento, o racismo e a perseguição da população negra são intencionais.

Tendo como mediador o ex-comandante da Polícia Militar (PM) coronel Ubiratan Ângelo, o debate abordou, primeiramente, a construção sistêmica da violência contra a juventude. Ângelo falou sobre a criação da PM, o grande contingente de negros em seus quadros, o que tratou como "o quilombo de farda", e explicou que o recrutamento era compulsório no início da corporação.

Ao abordar o tema pelo viés do Poder Judiciário, o desembargador Siro Darlan tratou do desequilíbrio entre negros e brancos e citou o mandado coletivo de busca e apreensão expedido em agosto pela Justiça permitindo, entre outras coisas, invasões a domicílios em cinco favelas da cidade como um exemplo claro de como a sociedade lida com a questão. "Não há, no Poder Judiciário, 54% de negros, como existe na população em geral. Temos que apadrinhar jovens negros para buscar reproduzir em todos os setores a proporção de negros da sociedade", disse. Darlan lembrou, ainda, o histórico de perseguições ao povo negro. "Atualmente a guerra às drogas é o pretexto. Mas já foi a capoeira, o samba, a vadiagem. Não é novidade, mudam apenas os instrumentos", constatou.

O representante do Ministério Público Paulo Roberto Mello foi pelo mesmo caminho ao considerar "inacreditável um país com população majoritariamente negra tratar questões raciais como sendo de minorias". Mello observou que, desde a abolição da escravatura, o objetivo foi manter a população excluída. Ele também vê critérios diferentes para situações similares, dependendo de quem é atingido. "Aceita-se com profunda tranquilidade as operações policiais em favelas e a morte de mulheres, crianças e trabalhadores, desde que sejam pobres e negros", disse, completando que "o Ministério Público está aberto à população negra e reconhece a dívida com seu próprio povo".

Representando o Poder Legislativo, o vereador Reimont (PT/RJ) Foi outro a apontar a falta de representatividade dos negros em espaços "tradicionalmente ocupados pela burguesia". A questão das drogas também foi abordada por ele. "O Brasil não está na TV, na universidade ou no Judiciário. Temos um racismo institucional, é preciso buscar um caminho da cultura que valorize as diversas expressões", ressaltou.

A advogada Ana Carolina Mattuso destacou a necessidade de acesso ao lazer por parte da população negra. Segundo ela, o racismo é um projeto da formação da sociedade brasileira. "Mudam os argumentos, mudam as nuances, mas a ideia permanece", salientou.

A defensora pública Eufrasia Maria de Souza falou sobre a letalidade violenta contra crianças e adolescentes. "Somos o quinto pior colocado no ranking de mortes de crianças e adolescentes. Ela reclamou do olhar dado aos casos de menores recrutados pelo tráfico. "A Convenção 182 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] trata o trabalho para o tráfico como uma das piores formas de trabalho infantil, o Judiciário deveria ampliar este olhar", criticou, afirmando haver "uma banalização destas mortes".

Os debates seguiram durante todo o dia, tratando de temas como Violência sistêmica de racismo – Quais impactos sobre a juventude negra das favelas e periferias? e a Reparação do genocídio da juventude negra nos tribunais nacional e internacional.
Foto: Lula Aparício  |   Clique para ampliar

Antes dos debates, foi realizada uma homenagem ao procurador do Trabalho Wilson Prudente, falecido no fim de outubro. Conhecido jurista e militante das causas de igualdade racial, ele fez parte das comissões nacional e estadual  da Verdade da Escravidão Negra no Brasil. A esposa de Prudente, Ianaiá Saraiva, compareceu ao evento e falou sobre o procurador. Segundo ela, Prudente dedicou sua vida à causa e buscava se aprimorar constantemente. "Não houve um dia nos 34 anos em que passamos juntos que suas palavras não fossem luta e resistência. Ele passou a sua vida estudando, sempre acreditou que o conhecimento liberta. Espero que esta luta continue e que tenhamos algum dia  um mundo mais humano, onde as pessoas sejam respeitadas pelo que são", discursou.

A presidente da Comissão de Igualdade Racial da Seccional, desembargadora Ivone Caetano, afirmou que "a homenagem a Wilson Prudente não deve ficar restrita a este ato", e considerou que "Prudente conseguiu uma posição de destaque em um meio extremamente elitista". Ivone Caetano lamentou que as honrarias, na maioria dos casos, sejam póstumas.

A vice-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros e presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/RJ, Rita Cortez, foi outra que lembrou a trajetória combativa de Prudente. "Foi perseguido por sua incansável dedicação na luta contra o racismo e a desigualdade em geral", disse.
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