17/08/2009 - 16:06

COMPARTILHE

Em entrevista, Tarso defende Exame de Ordem e práticas de mediação

Em entrevista, Tarso defende Exame de Ordem e práticas de mediação


Do Jornal do Comércio

17/08/2009 - O atual ministro da Justiça, Tarso Genro, além de político de carreira é advogado por formação. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, alusiva ao Dia do Advogado, Tarso fala de questões pertinentes aos que seguem carreiras jurídicas - como o Exame de Ordem e a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, mas que também norteiam o dia-a-dia dos cidadãos em geral, como modernização da Justiça e construção de políticas públicas.

Prefeito de Porto Alegre por duas vezes, e também ministro da Educação e das Relações Institucionais no governo Luiz Inácio Lula da Silva, o atual pré-candidato do Partido dos Trabalhadores ao Piratini recorre às palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (1960-1969) Victor Nunes Leal, em Coronelismo, Enxada e Voto, para associar a tradição "mandonista" brasileira à política judiciária no País.


Leia abaixo a entrevista.


Com a sua experiência como advogado, qual a análise que o senhor faz da formação intelectual dos novos profissionais da área que chegam ao mercado todos os anos? As universidades estão desempenhando bem o papel de formadoras destes alunos?

As universidades, ao longo do tempo, vêm qualificando a formação e preparação de seus acadêmicos. O Ministério da Educação e a Comissão de Ensino Jurídico da OAB estão contribuindo em muito para esta evolução. No entanto, o atual modelo ainda pode absorver algumas melhorias. Por exemplo, incluir na grade curricular dos cursos maior ênfase à formação humanística e na mediação e conciliação. Ou seja, focar especialmente as formas alternativas de resolução de conflitos, tema ainda tratado timidamente na maioria das universidades brasileiras. Uma importante iniciativa foi a edição da Portaria nº 840 do MEC, de julho do ano passado, que trata dos instrumentos de avaliação para autorização de curso de graduação em Direito. Está prevista uma significativa pontuação para as instituições que adotarem, no núcleo de Prática Jurídica, as atividades de arbitragem, conciliação e mediação.


Qual é a função do exame da OAB? Ele faz reserva de mercado?

O exame da OAB deve ser compreendido dentro de uma conjuntura em que houve uma crescente oferta de cursos jurídicos. Decorreu daí um dos diagnósticos, no sentido de que esta poderia ser uma das causas, entre outras, do seu rebaixamento de qualidade. Esta é uma questão complexa. É correto expandir o acesso ao Ensino Superior à população, abrindo as portas do conhecimento e de novas oportunidades a todos. Essa expansão, porém, deve estar acompanhada de níveis de excelência na qualidade do ensino jurídico. Acredito que se deve buscar um constante aperfeiçoamento e maior eficiência do exame da OAB. Ao mesmo tempo, continuar qualificando a formação nas faculdades de Direito, para que os bacharéis atendam aos requisitos de ingresso na atividade profissional e, acima de tudo, a correta defesa dos cidadãos e seus direitos, enquanto uma das funções essenciais da Justiça.
 

Medidas como a inviolabilidade dos escritórios de advocacia têm sido tomadas para garantir o sigilo do trabalho dos advogados. O que o senhor pensa a respeito delas? 

A recente Lei nº 11.767, do ano passado, disciplinou de forma equilibrada a proteção da inviolabilidade profissional dos advogados, fruto de amplo diálogo estabelecido entre o Congresso Nacional, o Ministério da Justiça, a OAB e as demais entidades representativas das carreiras jurídicas. No âmbito do Ministério da Justiça, já havíamos adotado medidas em favor da garantia da inviolabilidade de todas as profissões, nos casos de cumprimento de mandados judiciais de busca e apreensão pela autoridade policial. Especificamente para os advogados, há uma portaria do Ministério da Justiça (nº 1.288, de 30 de junho de 2005) que estabeleceu regramento geral para todas as diligências realizadas pela Polícia Federal. Por regra, nestes casos extremos, as decisões dos magistrados, a manifestação do Ministério Público e a atuação policial buscam o equilíbrio e a eficiência. Os eventuais excessos, cometidos em casos excepcionais, devem ser apurados com rigor e punidos se for o caso. No momento, estamos preparando uma nova legislação sobre o abuso de autoridade, que atingirá várias formas do exercício da função pública, com a colaboração de reconhecidos juristas e instituições de Estado. Nosso objetivo é preservar as garantias fundamentais dos cidadãos e adotar medidas de prevenção e repreensão dos desvios.
 

E sobre a restrição da publicidade dos processos, qual a sua opinião?

Por regra, os processos judiciais são públicos e de livre acesso. Há previsão legal de casos que devem tramitar em segredo de justiça, e é nestes que não pode haver violação. No entanto, o acesso que as partes interessadas têm aos autos, atendendo ao legítimo direito de ampla defesa, vem permitindo que o segredo de justiça, na prática, seja violado. Por outro lado, o Ministério da Justiça enviou ao Congresso, em abril do ano passado, um projeto de lei que prevê punição ao agente público que "vazar" informações sigilosas ou que fizer escutas telefônicas ilegais.


Nos últimos anos, a Justiça brasileira vem se modernizando. Qual a importância do Pacto de Estado para essas mudanças, já que a partir dele aconteceu a Reforma do Judiciário?

A criação, no Ministério da Justiça, da Secretaria de Reforma do Judiciário sinalizou uma preocupação especial do presidente Lula na melhoria da prestação do serviço judiciário. Assim, foi possível firmarmos dois Pactos Republicanos, o primeiro, em 2004, e o segundo, mais recentemente, no início deste ano. O Pacto, um compromisso dos chefes dos três poderes da República, mostra que cada um pode contribuir, e muito, para o fortalecimento da democracia. É um claro compromisso de que cada um cumprirá o seu papel, dentro de sua competência constitucional.

Assinado em abril deste ano, o segundo Pacto Republicano de Estado, por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Efetivo, é uma demonstração de que vivemos em um Estado Democrático de Direito. Em sua dimensão política, as instituições de Estado reconhecem entre si a legitimidade de poder e, no aspecto prático, sabem articular-se em torno de prioridades e, numa perspectiva simbólica, informam à população que estão trabalhando em conjunto.

O primeiro Pacto, de dezembro de 2004, permitiu a regulamentação das grandes inovações. Cito especialmente a criação do Conselho Nacional de Justiça, as inovações no Ministério Público e o fortalecimento da Defensoria Pública como instituição de Estado que presta assistência jurídica e gratuita aos mais necessitados. Foram aprovados 26 diplomas legais voltados à agilização processual e modernização do Poder Judiciário, como a regulação do processo eletrônico e informatização dos procedimentos judiciais. Essas inovações são importantíssimas para a população, que espera processos mais simplificados, racionais e ágeis, numa perspectiva de desafogar o Judiciário dos seus mais de 70 milhões de processos. Além de universalizar o acesso à Justiça, devemos construir "portas de saída" a essa grande demanda, a fim de aumentar ainda mais a credibilidade da Justiça brasileira.
 

O Pacto também proporcionou a criação dos Núcleos de Mediações Comunitárias. Como o senhor vê essa iniciativa?

Chegamos a um tempo em que a sociedade, como parte do Estado Democrático e Social de Direito, deve participar da construção de políticas públicas. Evidencia-se, tanto no Brasil quanto em todo o mundo, o esgotamento das formas concentradas de solução de disputas, na lógica do Estado-Juiz. A atividade da Justiça formal é absorvida, na maior parte, por demandas de grandes corporações ou da própria administração pública, ficando as comunidades economicamente vulneráveis sem o devido acesso às instâncias formais de Justiça. Nesse sentido, os denominados sistemas alternativos de solução de conflitos apresentam-se como possibilidades de ampliação e incremento no acesso à justiça, uma vez que são autocompositivos. Isto é, os próprios envolvidos, com o auxílio de um terceiro - o mediador - buscam a resolução de suas controvérsias, possibilitando a discussão e solução de problemas e demandas inerentes à cidadania nas próprias comunidades.

A Justiça Comunitária aparece como uma das mais importantes ferramentas para a emancipação social. A criação de Núcleos da Justiça Comunitária é uma das ações do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) que o presidente Lula sancionou como lei, e o Ministério da Justiça implementa. Os núcleos estão sob a responsabilidade da Secretaria de Reforma do Judiciário, que capacita lideranças da comunidade na resolução de seus próprios conflitos, contribuindo para a pacificação social. 
 

Qual a sua opinião sobre o projeto de privatização dos presídios?

A privação da liberdade de um cidadão é um dos últimos instrumentos que o Estado deve dispor. O primeiro é a prevenção ao delito. No caso, o Estado, que possui o direito constitucional de punir, deve zelar pela integridade pessoal do preso e do efetivo cumprimento da sentença de condenação. Por isto, é uma atividade pública que não pode ser delegada, exceto quanto à introdução de parcerias privadas para promoção de atividades de reinserção social e profissional dentro dos estabelecimentos penais.


A Polícia Federal tem obtido maior visibilidade nos últimos anos, especialmente em suas ações contra a corrupção. A sensação é de que ela está mais ágil e presente na vida da sociedade. Ao que se deve isso?

A PF merece especial atenção, pois diferentemente das outras forças policiais, ela exerce com exclusividade o papel de Polícia Judiciária da União, aumentando então sua responsabilidade como agente central da democracia. Desde os primeiros dias do governo Lula, foram adotadas políticas de fortalecimento das atividades da PF, que não se esgotam na compra de equipamentos ou viaturas. Fortalecemos uma instituição independente, capacitada e comprometida com a democracia.  Focamos o trabalho no rigor da investigação e na qualidade da prova, com uso de novas tecnologia e inteligência policial. Atualmente, podemos nos orgulhar ao afirmar que a Polícia Federal é uma polícia de Estado e não de governo, reconhecida internacionalmente pela qualidade de suas ações e de seu quadro funcional.
 

O senhor acredita que "A Justiça é Cega" se aplica ao sistema judicial brasileiro?


Victor Nunes Leal, em seu clássico trabalho Coronelismo, Enxada e Voto, faz uma interessante análise da tradição "mandonista" e "coronelista" da política nacional. Ao longo do livro, ele traz exemplos de como tal estrutura sociopolítica se dá no cotidiano e de como as pessoas comuns lidam e respondem a ela. Já era famosa a sabedoria popular que ele consagrou: "aos amigos, pão; aos inimigos, pau". Mas descobri no seu trabalho outra sentença ainda mais profunda e explicativa de alguns problemas nacionais: "Aos amigos, a Justiça; aos inimigos, a Lei." Essa diferenciação entre Justiça - auxílio, liberdade - e Lei - repressão, regulação, violência - é a mais clara face da injustiça e desigualdade em nosso país. Estamos começando a mudar isso, mas ainda há um longo caminho a trilhar.


Durante a Operação Satiagraha o senhor chegou a dizer que se pobres são algemados os ricos também podem ser. O senhor acredita que essa polêmica já foi superada?


Critiquei fortemente a forma como se desencadeou a Satiagraha, com a prisão de pessoas sob a luz das câmeras de uma emissora de tevê, espetaculosidade que estava proibida por regulamento interno adotado na Polícia Federal há cerca de dois anos. Já a polêmica sobre o uso de algemas surgiu depois que pessoas consideradas da elite social começaram a ser alvo de operações da PF. O uso de algemas nunca foi regulamentado. O artigo 199 da Lei de Execução Penal aguarda regulamentação há mais de 20 anos, pois diz que o "emprego de algemas será disciplinado por decreto federal." Aliás, esse tema foi incluído no II Pacto Republicano de Estado como forma de atender ao princípio constitucional da dignidade humana. Partimos da premissa de que as algemas são um instrumento de segurança da polícia e do próprio preso. Não se sabe qual vai ser a reação das pessoas e, por isso, as algemas eram ou são usadas na operação, sempre na perspectiva de garantir a integridade física dos envolvidos. Certamente, uma premissa válida para todos os cidadãos.


Grande parte dos políticos envolvidos com escândalos de corrupção é reeleita. Para o senhor, a impunidade continua sendo o combustível dos corruptos no País?

O Brasil nesses últimos anos vem avançando em políticas de combate à corrupção. Podemos contar hoje que 50% dos políticos envolvidos em alguma espécie de escândalo não são reeleitos. Há novas formas de combate à corrupção marcando as ações da PF e do Ministério Público. Os julgamentos são cada vez mais rápidos e normatizadores no Tribunal Superior Eleitoral, corroborados pelo Supremo Tribunal Federal. Estas são ações que nos permitem dizer que o Estado brasileiro vem avançando no cerco tanto aos corruptos quanto aos corruptores. A própria Reforma Política que o Ministério da Justiça enviou ao Congresso Nacional demonstra que o governo quer avançar e tem interesse na sistêmica e progressiva ação de modernização da nossa ainda jovem democracia.

Abrir WhatsApp