24/08/2009 - 16:06

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Em entrevista, Maués defende inserção do IAB nos debates políticos do país

Em entrevista, Maués defende inserção do IAB nos debates políticos do país


Do Jornal do Brasil

24/08/2009 - O presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Henrique Cláudio Maués, quer reinserir a instituição no debate político nacional e fazer o IAB, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil, a ter voz nos principais episódios da nação. Maués diz que, para isso, é importante que o Conselho Federal da OAB reúna-se uma vez por ano, todo agosto, no Rio, dia 27 - data que lembra a morte da secretária da presidência da OAB vítima de uma carta-bomba, que completa esta semana 29 anos.

Nesta entrevista, o presidente do IAB também expressa as preocupações da advocacia com os rumos da democracia e, particularmente, com os sucessivos escândalos no Congresso. Entende que o processo de redemocratização não se esgotou com a Constituinte e a promulgação da Carta de 1988 e alerta para os "ataques à Constituição-Cidadã de 88" - na sua opinião, consubstanciados nas 63 emendas sofridas pelo texto constitucional.


O que significou essa bomba na história da OAB?

O que significou essa bomba na história da OAB, não; o que significou essa bomba na história do Brasil, não é? No processo de redemocratização do país. Porque, na ocasião, a OAB tinha na Presidência o Eduardo Seabra Fagundes.

E a OAB, ao lado da ABI, eram as duas instituições importantes, que cobravam do regime militar a aceleração do processo de redemocratização do país. A bomba que vitimou a dona Lyda tinha o propósito de intimidar a OAB, fazendo recuar as manifestações de repúdio ao regime, mas teve o efeito exatamente contrário.

No mesmo dia, o Seabra Fagundes constitui a Comissão de Direitos Humanos, nomeando, entre outros, Raimundo Faoro, Ricardo Pereira Lyra, Calheiros Bomfim, enfim, todos os grandes advogados da época, que se destacavam contra a ditadura.

Após a bomba aprofundou-se ainda mais a crise do regime militar, o que pôs a Ordem dos Advogados sem dúvida nenhuma à frente desse movimento, até que foi coroado com a anistia, com a Assembléia Nacional Constituinte e com as Diretas Já.


O senhor propôs que o Conselho Federal da OAB se reúna uma vez por ano na sede do IAB, para lembrar a data?

O IAB resgatou este ano para os advogados o plenário histórico onde se reunia o Conselho Federal, quando estabelecido aqui no Rio de Janeiro. Ele fica no sexto andar da Casa dos Advogados. A finalidade dessa reunião é para que o Conselho Federal se reúna aqui não só para registrar que a Ordem não está conformada com a conclusão do inquérito sobre a bomba - que até hoje não apontou os responsáveis pelo atentado criminoso - mas para estabelecer um marco da vinculação definitiva da OAB com o Estado Democrático de Direito neste país.

É preciso saber que o processo de redemocratização deste país não se esgotou com a Constituinte e promulgação da Constituição de 1988. Antes pelo contrário, a Constituição-Cidadã de 1988 vem sendo violentamente atacada. Como afirmou recentemente na comemoração de 166 anos do IAB o jurista Fábio Konder Comparato, a Constituição Federal de 88 já sofreu 63 emendas nesse período pequeno de 21 anos, o que dá uma média de três emendas constitucionais por ano, deformando e descaracterizando a Constituição.

Acho importante que a Ordem dos Advogados do Brasil demonstre tanto para os advogados, como para toda a sociedade brasileira, que ela continua atenta na defesa do Estado.


Como é que o IAB está analisando essa série de escândalos que vem passando o país nos últimos anos?

Há aproximadamente dois meses, quando o Senado entrou em recesso, eu manifestei em entrevista que o presidente do Senado, José Sarney, deveria pedir licença do cargo, para que se apurasse com isenção todas as irregularidades que vinham sendo denunciadas pela imprensa naquela ocasião.

Hoje, o IAB vê com apreensão, com muita apreensão, tudo o que vem ocorrendo no cenário político nacional, sobretudo quando se fala em atos secretos da administração pública e todos esses escândalos com prejuízos para o erário, com violação dos princípios constitucionais que norteiam os atos da administração pública, principalmente pelos princípios da impessoalidade e da publicidade dos atos administrativos.

Por tudo isso, o IAB é definitivamente contrário ao arquivamento das representações apresentadas contra o presidente do Senado, como fez a Comissão de Ética daquela Casa.


O senhor não considera preocupante a perspectiva de que toda essa situação acabe em "pizza", confirmando ser o país da impunidade?

O que me preocupa é o distanciamento entre os poderes políticos, os representantes da sociedade e seus representados. Está havendo um distanciamento cada vez maior da sociedade, que elege os seus representantes para o Congresso Nacional; esses representantes que, uma vez investidos dos poderes de deputado ou senador, se afastam e se divorciam daqueles que os elegeram seus representantes e só voltam a procurá-los na época das eleições.


Diante de tantos escândalos no Congresso, o senhor acha que é momento de se acabar com o voto obrigatório no país?

O meu posicionamento sobre o voto obrigatório não está vinculado diretamente aos escândalos; pelo contrário, eu entendo e sempre sustentei isso pessoalmente, que o direito ao voto é um direito que deve ser exercido e deve ser facultado ao cidadão.

O direito de não votar, de abstenção do processo eleitoral, do cidadão se abster do processo eleitoral, ao meu juízo é um direito que deve ser consagrado pela Constituição. Mas o mais importante e que deve ser reformado na nossa Constituição é uma alteração que permita que o cidadão participe mais do projeto legislativo, mediante referendos e plebiscitos. Toda emenda constitucional aprovada pelo Congresso deveria ser submetida ao plebiscito, ao referendo popular.


O fato é que as emendas que vem sendo aprovadas no Congresso são feitas sem que se consulte o eleitor, ou até dissociadas de sua vontade?

Nós temos tramitando aí algumas propostas de emendas à Constituição que, uma vez aprovadas, vão importar numa imposição contra a vontade do povo.

É o caso, por exemplo, da proposta de emenda constitucional conhecido como PEC do Calote (antiga PEC 12, que trata dos precatórios). Ela retira do Estado a responsabilidade de cumprir as decisões judiciais, de pagar as condenações que lhe são impostas pelo Poder Judiciário. E se o Poder Judiciário não pode fazer valer a sua decisão, determinar que sua decisão se torne num instrumento efetivo de reparação causado pelo Estado em face do cidadão, esse poder fica arranhado de forma indelével e o mesmo acontece com a Constituição.


Ou seja, os atuais deputados e senadores não foram eleitos nem para reformar a Constituição, nem para gerar escândalos - o que tem acontecido.

É verdade. A Constituição só se reforma em casos excepcionais, e quando o Congresso é eleito com poderes expressos para esse fim. A Constituição de 1988 não pode ser reformada por um Congresso que foi eleito para um processo legislativo ordinário, e não para um processo constituinte.

Não pode transformar e alterar a Constituição em proveito próprio, de interesses de grupos e corporações. E sem o referendo do povo, a aprovação em massa dessas emendas espanca o bom-senso de qualquer estudante de Direito.


Acha que depois de tantos escândalos ainda se pode considerar esse Congresso legítimo?

A pergunta é bastante interessante, porque a Câmara dos Deputados e o Senado são instituições que formam e caracterizam o Estado de Direito Democrático. Então, o grande perigo é transformar e confundir as instituições com as pessoas que eventualmente estão ocupando o cargo legislativo.

A instituição tem que ser protegida. Agora, é necessário que se criem instrumentos legislativos eficazes para que, aí sim, o povo brasileiro, o cidadão que vota, e que é obrigado a votar, possa julgar que o seu deputado, eventualmente, vem honrando o mandato legislativo que lhe foi outorgado.

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