12/02/2015 - 11:46

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Disputa por animais de estimação desafia Judiciário

Jornal do Commercio

 
As disputas em torno de animais de estimação quando o casamento ou a união estável acaba são um desafio para o Judiciário, pois ainda não existe legislação sobre o tema. O desembargador Marcelo Lima Buhatem, ao julgar um caso na 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), apontou um caminho para se lidar com a questão: como relator de uma apelação, em voto seguido pelos demais desembargadores, ele deu ao apelante o direito de ficar com o cachorrinho Dully em fins de semana alternados, buscando-o na casa da apelada, sua ex-mulher.
 
A posse definitiva do animal, pretendida pelo apelante, permaneceu com a apelada, autora da ação inicial, pois ela forneceu provas de ser a dona do cachorro. "Já é mais do que hora de se enfrentar, sem preconceitos e com a serenidade necessária, a questão que aqui se ventila e que envolve, justamente, a posse, guarda e o eventual direito de desfrutar da companhia de animal de estimação do casal, quando finda a sociedade conjugal", diz o desembargador Buhatem, em um trecho do seu voto.
Divergência renhida
 
Ele lembra, no voto, que chegam ao Judiciário "numerosas dissoluções de sociedades conjugais, onde muitas vezes se constata situação em que os cônjuges logram solucionar as questões envolvendo os bens adquiridos pelo casal, mas, em curioso e peculiar contexto, divergem renhidamente acerca da posse, guarda do animal de estimação adquirido ao longo da relação".
 
Foi, aliás, o que ocorreu no caso em questão. O casal viveu junto por vários anos, mas a mulher diz que, em decorrência de agressões que sofria, viu-se obrigada a sair de casa, lá deixando os bens adquiridos em conjunto com o homem e o cachorro, um cocker spaniel, que ele havia lhe dado em um momento particularmente triste para os dois: um aborto natural enfrentado por ela.
 
A mulher, depois, moveu uma ação pedindo reconhecimento de união estável, seguida de dissolução, partilha de bens adquiridos em comum e a posse e guarda de Dully. O réu da inicial não contestou nem o estabelecimento da união estável, nem sua dissolução e nem a partilha dos bens. Não se conformou, contudo, com a perda do cachorro e com uma apelação tentou reverter a decisão.
 
Em seu voto, o desembargador Buhatem diz que não basta que se trate o animal de estimação "como simples animal inserido sob o prisma do direito ambiental ou transindividual, devendo ser protegido da caça indiscriminada ou do tratamento cruel e tampouco do Direito Civil classicamente concebido, onde o animal será tratado como rés, novilho, cria, enfim semovente". "Neste sentido, é preciso mais, justamente por ser de estimação e afeto, destinado não ao abate ou ao trabalho, mas ao preenchimento de necessidades humanas emocionais, afetivas, que, atualmente, de tão caras e importantes, não podem passar despercebidas aos olhos do operador", acrescenta o magistrado.
 
Parte da família
 
De acordo com o desembargador, "considerando ser comum que as pessoas tratem seus animais de estimação sob a consagrada expressão 'parte da família', é que não nos parece satisfatória e consentânea com os modernos vetores do direito de família, que à luz e à vista da partilha de bens, os aludidos semoventes sejam visto sob a restrita qualificação de bens-semoventes que, em eventual partilha, devem ser destinados a somente um dos cônjuges".
 
Diante de tal quadro, o desembargador afirma que impõe-se tuna reflexão: "de fato, cotejado o 'ambiente normativo' constata-se que não existe legislação pátria que discipline de modo satisfatório e especifico a questão. Contudo, se o postulado da dignidade da pessoa humana tem ostentado tão multifária aplicabilidade, espraiando seus efeitos a tantos ramos de direito e "hard cases", não seria razoável e plausível que, mesmo a despeito de ausência de previsão legal (somente ainda objeto de projeto de lei) o julgador propusesse solução à lide, ainda que intermediária, mas consentânea com o atendimento dos interesses em jogo? A resposta é claramente positiva, até em homenagem ao princípio que veda o non liquet, a proibir que se deixe de entregar a jurisdição por obscuridade da demanda ou norma que lhe discipline."
 
"Ex positis, voto no sentido de conhecer e dar parcial provimento ao recurso, para os fins acima anunciados, quais sejam, permitido ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às necessidades do animal, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, às 8h de sábado, restituindo-lhe às 17h. de domingo, tudo na residência da apelada", conclui o voto.
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