Investigação da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta "evidências" de que um desembargador e um juiz federal usaram seus cargos para favorecer um frigorífico acusado de sonegação e crimes tributários estimados em R$ 184 milhões. Nery da Costa Júnior é magistrado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região O desembargador citado é Nery da Costa Júnior, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (sede em SP). Ele é suspeito de interferir no processo para desbloqueio de bens do frigorífico Torlim - decidido em 2011 pelo juiz Gilberto Rodrigues Jordan. O relatório assinado pela corregedora do CNJ, a ministra Eliana Calmon, deve ser votado no próximo dia 30. Ele diz que o desembargador e o juiz podem "de fato ter agido com violação dos deveres impostos aos magistrados" e "de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções". A sindicância do CNJ foi aberta em maio de 2011, depois de o Ministério Público Federal pedir investigação. Ela solicitou informações dos tribunais, ouviu investigados e juntou a apuração da Corregedoria do próprio TRF. Documentos da sindicância sigilosa obtidos pela Folha revelam relações entre Nery Júnior e Sandro Pissini, dono do escritório de advocacia contratado em 2008 pelo Grupo Torlim para defesa em processo em Ponta Porã (MS). Pissini foi assessor dele no TRF entre 1999 e 2001. O desembargador já vendeu uma fazenda ao advogado. E, desde 2011, um ex-funcionário do escritório de Pissini é chefe de gabinete de Nery Júnior. O desembargador nega irregularidades. Pperação da Polícia Federal bloqueou bens do frigorífico em 2004 Em 2004, após operação da Polícia Federal, bens do Torlim, como fazendas e veículos, foram bloqueados. A empresa foi à Justiça para liberá-los. Na época, ela tinha atividades em ao menos cinco Estados (SP, MS, MT, SC, PR). Depois, entrou em crise. A ação para auxiliar o frigorífico teria começado em 14 de janeiro de 2011, quando Nery Júnior enviou ofício à presidência do TRF sugerindo uma força-tarefa, a ser coordenada por ele, para acelerar os processos na cidade. Na ocasião, ele ocupava interinamente a corregedoria do tribunal - e adiou o início de suas férias, diz o relatório. A força-tarefa começou no dia 17, durou pouco mais de duas semanas e resultou em só duas sentenças - uma delas a de interesse do Torlim. Essa decisão saiu em 4 de fevereiro. Gilberto Jordan, um dos dois juízes da força-tarefa, desbloqueou os bens de quatro empresas do grupo. Em março, um mês após o desbloqueio dos bens do Torlim, um funcionário de Pissini, o advogado André Ferraz, virou chefe de gabinete de Nery Júnior no TRF. Segundo depoimentos à Corregedoria do TRF, não havia motivos para a força-tarefa ou para acelerar a expedição da sentença que desbloqueou os bens porque o processo não envolvia presos e dependia de diligências. O juiz Jordan alegou que bens de pessoas jurídicas não precisavam ser bloqueados porque prejudicariam as atividades do frigorífico. A Corregedoria do CNJ diz que a força-tarefa "ocorreu de modo açodado, em verdadeiro regime de urgência, sem motivo suficiente para justificá-la". Calmon diz que o desembargador e o juiz "agiram com o deliberado intuito de rever o conteúdo da decisão liminar" de 2004. O relatório diz que eles atuaram "em benefício das partes atingidas, violando os deveres e imparcialidade e independência". Na época, esses bens das empresas eram avaliados em R$ 10 milhões. Nery Júnior chegou a ser denunciado após operação da PF em 2007 que investigou a venda de sentenças. A denúncia foi rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2009, por falta de provas.