02/09/2011 - 10:24

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Demora da Justiça livra acusado de seis mortes

jornal O Globo

Acusado de comandar o assassinato de seis trabalhadores rurais, que foram executados após sessões de tortura, em 1985, no Pará, o fazendeiro Marlon Lopes Pidde ainda não foi a julgamento. Ele passou 20 anos foragido da Justiça, usando documentos falsos, até ser detido pela Polícia Federal, em 2006. Após cinco anos e cinco meses de prisão preventiva, Pidde foi solto na semana passada, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que considerou excessivo o tempo de detenção provisória, à espera da realização do júri.

Durante quatro anos e dois meses, o Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) analisou o pedido de desaforamento (transferência de local) do caso, feito pelo Ministério Público (MP). O objetivo do MP era assegurar que o julgamento fosse realizado em Belém e não em Marabá (PA). O Tribunal de Justiça paraense, porém, levou inicialmente mais de três anos para aprovar a transferência. Depois, mais um ano para julgar - e negar - os recursos apresentados pelo fazendeiro.

STJ concedeu habeas corpus a fazendeiro em 23 de agosto

A demora levou a 5ª Turma do STJ a conceder habeas corpus ao fazendeiro no último dia 23 de agosto, por unanimidade. O ministro-relator, Gilson Dipp, reconheceu a gravidade das acusações e o fato de Pidde ter usado documentos falsos quando esteve foragido - ele foi detido na capital paulista. Mas destacou que a lentidão judicial foi excessiva, agravada pelo fato de que ocorreu após a denúncia criminal ter sido aceita pela Justiça.

"Extrai-se dos autos que o paciente é apontado como, em tese, mandante de homicídio de trabalhadores rurais que invadiam sua propriedade, e que foram supostamente atraídos à sede da fazenda, amarrados, torturados, queimados ainda vivos e jogados em um rio próximo, com pedras amarradas em seus corpos", escreveu Dipp. O relator concluiu, porém, que o réu deveria aguardar o julgamento em liberdade: "A segregação se estende no tempo além do razoável, evidenciando o constrangimento ilegal. A custódia foi decretada em 2006 e já se prolonga por mais de cinco anos, prazo excessivo a despeito da eventual complexidade dos autos."

A Comissão Pastoral da Terra em Marabá criticou a demora do TJ-PA. O advogado da pastoral, José Batista Afonso, que atua como assistente da acusação, disse que a decisão do STJ é compreensível, mas não a lentidão do tribunal paraense:

"A defesa já tinha tentado um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, que negou o pedido, mas recomendou celeridade ao TJ do Pará. Quem deu motivo para que a defesa alegasse demora foi o TJ".

Para o promotor Edson Augusto Cardoso de Souza, que atua em Belém, o desaforamento é fundamental para garantir a imparcialidade dos jurados e até mesmo do juiz, uma vez que o fazendeiro ainda teria influência na região. Ele disse estranhar a demora do TJ-PA:

"Não se tratava de julgar se é culpado ou inocente. É apenas uma formalidade que não entra no mérito", disse o promotor.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante Júnior, disse desconhecer detalhes do caso. Falando em tese, ele afirmou que esse tipo de situação leva ao descrédito da Justiça. Ele defendeu a apuração do caso pelo Conselho Nacional de Justiça, para eventual punição dos responsáveis pela lentidão.

"Isso acaba desacreditando a Justiça", disse Ophir.

O advogado de Pidde não foi localizado ontem pelo GLOBO. O TJ-PA também foi procurado no meio da tarde, mas o expediente termina às 14h, segundo informações na página do tribunal na web. O STJ ainda julgará recurso da defesa contra o desaforamento para Belém. Mesmo que venha a ser condenado, o fazendeiro poderá esperar em liberdade até a decisão final sobre recursos que venham a ser apresentados a tribunais superiores.
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