03/05/2012 - 10:53

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Em decisão inédita, STJ condena pai por 'abandono afetivo' de filha

jornal O Estado de S. Paulo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de filhos serem indenizados por pais que os abandonam durante a infância e a juventude. Em uma decisão inédita, os ministros da 3.ª Turma do STJ fixaram em R$ 200 mil a indenização que o pai deve pagar à filha pelos danos morais decorrentes do abandono afetivo. A decisão cria jurisprudência,mas ela não é vinculante - cabe ao juiz decidirem casos semelhantes.

"O cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente", afirmou a ministra relatora do recurso, Nancy Andrighi. "Não se discute mais a mensuração do intangível -o amor-, mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento ou parcial cumprimento de uma obrigação legal: cuidar." O caso analisado pelo STJ tramita há 12 anos e envolve uma moradora de Votorantim (SP), hoje com 38 anos.O pai negou o abandono,mas,de acordo com o tribunal, ele teria agido com "desmazelo" em relação à filha, reconhecida apenas após processo judicial. Segundo a ministra Nancy Andrighi, houve uma ausência quase que completa de contato do pai com a filha, em descompasso com o tratamento dispensado a outros herdeiros.

A relatora disse que entre pais e filhos, além dos vínculos afetivos, existem os legais. Ela afirmou que entre os deveres inerentes ao poder familiare stão o convívio, o cuidado, a criação, a educação, a transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento socio psicológico dos filhos. De acordo com Nancy, essas obrigações existem tanto em relação aos filhos biológicos quanto aos adotivos.

A ministra lembrou que a proteção ao menor e ao adolescente está na Constituição. "Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem e adotarem filhos", disse. "Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever." "Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole,não pode o julgador seolvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero cumprimento da lei,garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social", disse.

Dor. A ministra afirmou que a filha conseguiu constituir família e ter uma vida profissional. "Entretanto, mesmo assim, não se pode negar que tenha havido sofrimento, mágoa e tristeza, e esses sentimentos ainda persistam, por ser considerada filha de segunda classe", disse Nancy.

"Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e ex surge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela", afirmou.

Procurado pelo Estado, o advogado de acusação, João Lyra Netto,não quis comentara decisão porque não teve acesso ao acórdão."É uma discussão familiar, pessoal, quero conversar com ela antes de me manifestar." Ainda cabe recurso.

Antes do STJ, o Tribunal de Justiça(TJ) de São Paulo já tinha reconhecido a omissão do pai e fixado a indenização num valor bem maior, em R$ 415 mil. De acordo com a decisão do TJ, o pai era "abastado e próspero".

No entanto, os ministros do STJ concluíram que, apesar das agressões ao dever do pai de cuidar da filha, o valor era muito alto. Por esse motivo, eles reduziram a indenização para R$ 200 mil. Antes do TJ paulista, a Justiçade1 ª. instância tinha rejeitado o pedido da filha.

De acordo com aquela decisão, o distanciamento teria sido motivado primordialmente pelo comportamento agressivo da mãe em relação ao pai.
 
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