21/11/2011 - 14:05

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Dalmo Dallari dá aula de história, humor e democracia

redação da Tribuna do Advogado

Mal começado o encontro nacional de advogados, em Curitiba, uma certeza tomou conta dos presentes que lotaram o auditório: um dos pontos culminantes do evento seria a Conferência Magna de Abertura, proferida pelo jurista Dalmo Dallari. Fluente, bem-humorado e dando mostras de uma vasta cultura, Dallari discorreu durante duas horas sobre o tema que lhe competia abordar, dando uma brilhante e agradável aula sobre a história do Direito e da busca da liberdade e da democracia nas sociedades modernas.

Fazendo menção, mais de uma vez, à importância de que as novas gerações conheçam a história do País, Dallari fez questão de abordar a luta pelas liberdades na ditadura militar. E lembrou a Conferência Nacional de Advogados de 1978, também em Curitiba, ressaltando sua importância no combate à ditadura militar e na defesa da democracia e do estado de direito.

"Numa ditadura, falar em direito era um crime grave", afirmou, para depois cobrar a responsabilidade histórica de muitos juízes, desembargadores e ministros que se curvaram aos ditames dos poderoso de ocasião.

Palestra de Dallari confirmou expectativas de colegas, que lotaram auditórioContou que foi advogado de Lula e dos demais dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, presos em 1978 quando de uma greve por aumento de salários. "Convidado" por policiais armados a acompanhá-los ao Dops - "na ocasião, disse aos policiais que um convite desses não se discute" - foi à sua chegada saudado por Djalma Bom, vice-presidente do sindicato: "Que bom. Está aqui o nosso advogado". O que Djalma não sabia era que Dallari chegava ao Dops também preso. O jurista credita sua rápida libertação às pressões exercidas na época pelo cardeal-arcebispo Paulo Evaristo Arns e pelo presidente da OAB/SP, Mário Sérgio Duarte Garcia.

Quando foi solto, no mesmo dia, foi informado pelo delegado responsável que deveria firmar uma declaração. "Que declaração?", perguntou. "Não sei", respondeu o delegado. "Escreva o que o senhor quiser que eu o solto. Aliás, não sei por que o senhor foi preso".

Dallari contou também, que, quando da visita do Papa ao Brasil, ainda em 1978, foi convidado para participar de uma missa rezada por este. Na véspera, porém, foi sequestrado por policiais, levado para um terreno baldio, espancado e abandonado no local. Apesar de tudo, fez questão de comparecer à missa no dia seguinte. Estava em cadeira de rodas e com partes do corpo enfaixadas. "Considerei importante não deixar de ir. Era minha obrigação", disse o jurista ciente de que sua simples presença naquelas condições seria uma denúncia das condições em que vivia o país.

Dallari falou também dos primórdios da luta pelas liberdades e pela democracia na História da Humanidade, ainda no século XVII. E mostrou como o fato de essas bandeiras terem sido empunhadas principalmente pela burguesia ascendente limitava seu alcance. "Os burgueses queriam garantir espaço para os negócios", lembrou, dando exemplo das restrições aos que não tinham posses e, mesmo, às mulheres. "A primeira mulher que defendeu publicamente a extensão dos direitos do homem às mulheres pagou com a vida essa ousadia", disse.

Na época, surgiu a democracia representativa e o mandato imperativo, lembrou. "Como os burgueses queiram dedicar seu tempo a ganhar dinheiro, punham no parlamento representantes que defendessem seus interesses".

E aproveitou para fazer um paralelo com a situação atual no Brasil. "Há no nosso parlamento bancadas que representam grupos de interesses específicos, como é o caso da bancada do agronegócio. Seus representantes não votam segundo o que consideram os interesses do País, mas segundo seus próprio interesses".

Segundo Dallari, isso ficou claro no recente debate sobre o Código Florestal. "Até o relator seguiu as determinações da senadora Kátia Abreu, líder da bancada ruralista".

Ele deu outro exemplo para mostrar a força dos ruralistas lembrando que uma comissão de quatro senadores conseguiu desmobilizar uma força-tarefa criada para investigar casos de trabalho escravo no Pará. Segundo Dallari, tal como ocorreu nos primórdios do parlamento, a maior parte dos que exercem mandatos prestam contas e trabalham em defesa dos interesses de seus financiadores.

Ao lembrar o lema da Revolução Francesa - Liberdade, Igualdade e Fraternidade - frisou que já não se fala tanto em igualdade, aproveitando para lembrar que isso não se dá apenas no que se refere às questões relacionadas com classes sociais, mas também às de gênero: só em 1946 as mulheres puderam exercer o cargo de juiz na França, lembrou.

Por fim, caracterizou um avanço na Constituição Brasileira de 1988 no que diz respeito à afirmação dos direitos de todos. "Mas, na prática, ainda há muitos problemas. Há restrições sérias à igualdade, muitas vezes com o apoio do Judiciário e, mesmo, do STF", citando o tratamento injusto dado às comunidades indígenas.

"Dizem que tem muita terra para pouco índio. Mas se eu olho para as mansões dos Jardins, em São Paulo, muitas vezes abrigando apenas um casal, e olho para barracos que abrigam uma família inteira, poderia também dizer que é muita terra para pouca gente", afirmou, sob aplausos do auditório.

A Conferência Nacional, que tem programação até quinta-feira, dia 24, está sendo realizada em Curitiba, no Paraná e tem como temas Liberdade, Democracia e Meio ambiente.
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