07/04/2016 - 10:50

COMPARTILHE

Constituição portuguesa chega aos 40 menos ideológica

revista eletrônica Conjur

A busca pelo socialismo, uma sociedade sem classes e uma visão estatista da economia como princípios do Estado. Não se trata de um projeto da União Soviética ou de Cuba, mas sim de Portugal, no ano de 1976. A Revolução dos Cravos acabou com uma ditadura de 41 anos e o intenso momento de paixões políticas culminou no dia 2 de abril daquele ano em uma Constituição que exigia o fim do latifúndio e implementação da reforma agrária.
 
Quarenta anos  e sete revisões constitucionais depois, os fazendeiros e capitalistas portugueses estão mais calmos. Naquele momento, os socialistas lideraram o fim do governo de Marcello Caetano, herdeiro de António de Oliveira Salazar, e assim obtiveram o capital político para aprovar o texto revolucionário. Agora, o texto já não fala mais em busca pelo socialismo e acolheu a ideia de uma economia de mercado, mas ainda é notório como um marco de direitos.

“Eram aspectos conjunturais do momento em que a Constituição foi feita, no meio de uma revolução. Mas a medida que o tempo foi passando e a situação foi se normalizando, a democracia foi se institucionalizando, essa práticas foram suprimidas para garantir plenamente o pluralismo político e a alternância dos partidos no poder. Sem o pluralismo não há democracia”, ressalta o professor português Jorge Miranda, um dos juristas que elaborou a Constituição de 1974.
 
Do socialismo ao liberalismo

O enorme peso ideológico do texto constitucional foi consideravelmente amenizado na revisão de 1982. Manteve o controle do Estado na economia e as metas de nacionalização e reforma agrária, porém já dando mais espaço para a iniciativa privada e reconhecendo a economia mista.  
 
Outro ponto importante de 1982 foi a extinção do Conselho da Revolução e a criação do Conselho de Estado (que aconselha o presidente) e do Tribunal Constitucional, que avalia se as leis criadas respeitam a Constituição.
 
Em 1989 vieram as últimas grandes mudanças. A Constituição acolhe uma visão liberal na área da economia e passa a permitir a reprivatização de empresas. Elimina a busca pela reforma agrária e passa a falar em eliminação do latifúndio. Por outro lado, determina que todo cidadão deve ter acesso a um serviço nacional de saúde gratuito.
 
As outras revisões foram no sentido de adaptar o texto constitucional para uma nova realidade: a integração de Portugal à União Europeia. Dentro disso está a possibilidade de outra entidade que não o Banco de Portugal passe a emitir a moeda do país, permitir que os emigrantes votem e a ratifica a jurisdição de tribunais internacionais.  
 
Calor do processo
 
O jurista brasileiro Otavio Luiz Rodrigues Junior, colunista da ConJur, lembra que as últimas revisões constitucionais em Portugal eliminaram diversos pontos que, após o calor do processo revolucionário de 1974, tornaram-se obsoletos.


“Essas aparentes desatualizações, no entanto, terminaram por se inserir na clivagem atual entre redução das garantias do Estado social e o aumento da competitividade europeia, o que contaminou a discussão com elementos que ultrapassam a mera leitura sobre a conveniência de se manter ou se retirar determinados institutos jurídicos do texto constitucional português”, conclui.
 
Mesmo reconhecendo que foram muito bem-vindas as mudanças que tornaram a Constituição mais plural, Jorge Miranda deixa claro que sua posição política não mudou e defende o texto quanto aos desafios contemporâneos.
 
“A Constituição defende as garantias dos cidadãos em todas as esferas da vida e também em novas realidades, como a questão do meio-ambiente. O grande problema do mundo é o capitalismo financeiro transnacional, mas a Constituição tem resistido. Portanto, minha visão, apesar de tudo, é bastante otimista. Estou convencido que essa crise que a Europa atravessa não vai ter outra solução que não seja mais democracia”, disse o jurista à ConJur.

Influência em 1988

Quase 15 anos mais velha, a Constituição portuguesa é apontada como uma das influências para o texto brasileiro de 1988. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, vê essa relação “notada e manifesta” quanto aos direitos fundamentais. “E também no que diz respeito ao modelo de controle de constitucionalidade, especialmente no que concerne às ações diretas. A ação direta por omissão veio do modelo português”, aponta o ministro.
 
Para Otavio Luiz Rodrigues Junior, até o processo de “abrandar” os trechos que determinavam um controle estatal na economia se deu de forma parecida nos dois países. Ele cita o controle de constitucionalidade por omissão como herança prática e até a idade de um Estado democrático de Direito.
 
“De um modo geral, as similitudes também se mostram importantes no modo como a Constituição brasileira é entendida e interpretada por nossa doutrina, que se influenciou pelas ideias dos pais-fundadores da Constituição de 1976, como Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Souza, e de J. J. Gomes Canotilho, um dos grandes teóricos do constitucionalismo democrático português”, afirma Rodrigues.
Abrir WhatsApp