28/10/2016 - 10:27

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Constitucionalidade de projeto de lei divide especialistas

jornal O Globo

O projeto de lei do Executivo reconhecendo o estado de calamidade pública no âmbito da administração financeira, que foi enviado à Alerj, recebeu 57 emendas de deputados e saiu de pauta, também virou motivo de polêmica entre especialistas em direito administrativo e finanças públicas. A constitucionalidade da proposta - cuja votação foi transferida para a semana que vem, após reunião do Conselho de Líderes da Aleij - é colocada na berlinda e divide opiniões.
 
Para Manoel Peixinho, professor de direito administrativo da PUC, o projeto é inconstitucional e fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A questão, diz ele, é que a legislação não prevê calamidade financeira:
 
"Calamidade se aplica tão somente a catástrofe da natureza. Esse projeto, se aprovado, seria uma pedalada jurídica. Ele é absolutamente inconstitucional. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) pode entender que é uma máscara, uma maquiagem jurídica. E imagine se a moda pega? Vira uma bola de neve, com os outros estados decretando calamidade".
 
O professor se refere ao decreto federal 895, de 1993, que regulamenta o sistema nacional de Defesa Civil. O ato define o estado de calamidade pública como "o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive a incolumidade ou a vida de seus integrantes"
 
A LRF trata do estado de calamidade pública, embora sem defini-lo. Segundo o artigo 65, em caso de calamidade reconhecida pelo Legislativo, ficam suspensas obrigações e restrições relativas a limites de gastos com pessoal e endividamento. Ou seja, mesmo estando acima dos tetos, os governos continuam podendo fazer operações financeiras e obter transferências voluntárias da União. O mesmo dispositivo dispensa os administradores de atingir metas fiscais e os desobriga de obedecer aos limites de empenho previstos.
Também especialista em direito administrativo, Hermano Cabernite discorda de Peixinho e defende a constitucionalidade do projeto de lei:
 
"Ao fixar regras para o estado de calamidade, a LRF cita apenas questões financeiras. Portanto, a calamidade pública a que a lei se refere é sobretudo a financeira".
 
O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, é outro que defende o reconhecimento da calamidade: "Ainda que várias prefeituras já tivessem usado o mesmo expediente (como Americana, Betim e Teresópolis), a calamidade financeira decretada pelo Rio (em junho) é a única que fundamentou a edição de duas medidas provisórias. Alguém acusa o presidente Temer de ter cometido uma irregularidade duas vezes? E o Congresso Nacional de ter aceito duas medidas irregulares? E a União de ter repassado R$ 2,9 bilhões para o Rio gastar com a Olimpíada, depois de consulta prévia ao TCU?"
 
Membro do Conselho Federal da OAB, Luiz Gustavo Bichara engrossa a polêmica e diz que a lei da calamidade, se aprovada, pode causar questionamentos no Judiciário: "De fato, a legislação e o dicionário tratam calamidade pública como desastre, destruição. Ela está ligada a causas naturais. Mas o estado de penúria financeira pode gerar uma calamidade pública. Os fornecedores não estão sendo pagos. Água, telefone, energia, combustíveis... Nada disso está sendo pago. Então, o Rio vai parar. E a segurança pública? Policiais estão com seus salários atrasados. Logo, o estado de penúria financeira pode causar uma calamidade para os serviços públicos. Ou seja, há argumentos para os dois lados. Não é algo simples".
 
Bichara lembra ainda que, com o reconhecimento da calamidade, a lei 8.666/ 1993 (que regulamenta as licitações) autoriza a contratação direta: "A dispensa de licitação é prevista, desde que haja correlação com o objeto da calamidade. Com a calamidade interpretada no sentido mais amplo, a questão me preocupa. O estado estaria dispensado de contratar tudo sem licitação? Acho que não, mas esse é um desafio desse processo".
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