30/04/2013 - 09:13 | última atualização em 30/04/2013 - 09:14

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Comissão vai sugerir revisão da Lei de Anistia

jornal Valor Econômico

O relatório a ser apresentado em 2014 pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão criado para apurar violações de direitos humanos ocorridas no Brasil, dará suporte à futura investigação judicial e responsabilização criminal de agentes do regime militar. Deve também trazer recomendações para que o Brasil revise sua Lei de Anistia e promova uma grande atualização no modelo de formação de sua polícia, cujas raízes ainda remetem às escolas militares do regime. Foi anunciado ainda que o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, deixará a CNV por motivos de saúde.
 
"É claríssima na jurisprudência do direito internacional que as autoanistias não são aceitáveis", afirmou Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador da CNV, que participou ontem em São Paulo de um encontro com representantes de comitês de memória e justiça de 20 Estados.
 
A comissão não pretende substituir a sociedade civil, que é quem deve fazer essa reivindicação. Mas vai chegar um momento em que faremos nossas recomendações
"Em todas as comissões da verdade, as investigações servem para a responsabilização dos perpetradores de graves violações de direitos humanos. Nosso trabalho deve ser consistente, denso e cuidadoso para o que produzirmos servir à responsabilização desses criminosos", continuou Pinheiro.
 
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve entendimento de que a anistia abrange crimes praticados por agentes públicos contra opositores durante o regime militar, contrariando a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil a investigar e punir os responsáveis por esses crimes.
 
Presentes ao evento, as comissionárias Rosa Cardoso e Maria Rita Kehl corroboraram a avaliação de Pinheiro. "A comissão não pretende substituir a sociedade civil, que é quem deve fazer essa reivindicação. Mas vai chegar um momento em que faremos nossas recomendações. Terá de constar que se faça justiça. No Brasil, isso passa por desacreditar essa anistia que existe", disse Rosa. Para Maria Rita Kehl, a imprensa tem papel importante na promoção de um ambiente que torne possível a discussão franca sobre a anistia. "É inadmissível que a imprensa retrate a ideia de que fazer justiça é revanchismo. É uma tese usada pelos militares", observou. A decisão do STF não é, avalia Rosa, um entrave: "Tanto revisões dos ministros como a entrada de novos ministros podem levar a decisões diferentes. A jurisprudência muda, evolui".
 
A principal reivindicação levada pelos comitês aos integrantes da CNV foi para que o esclarecimento de mortes e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura seja a prioridade dos trabalhos, o que foi acolhido pelo colegiado.
 
Em seu discurso de abertura, ao qual o Valor teve acesso, Paulo Sérgio Pinheiro disse: "O relatório irá expor a existência de uma responsabilidade compartilhada entre perpetradores de graves violações e outros grupos sociais. Enfatizará a cumplicidade do poder judicial no encobrimento de crimes e desaparecimento. Reconstituirá a colaboração de empresas e empresários para a manutenção do sistema paralelo de repressão articulado com as Forças Armadas".
 
O modo de atuação da polícia hoje, para os integrantes da CNV, está diretamente relacionado à herança da ditadura. "Continuamos vivendo com a mesma organização e aparato de segurança da ditadura. A Comissão será sensível a isso em suas recomendações", afirmou Pinheiro. Para Rosa Cardoso, "certas formas de violência do passado continuam a ser exercidas em nossa sociedade, como as pessoas são presas, as execuções sumárias. Os jovens veem isso, têm capacidade de articular com o passado e achar que essa tortura de hoje tem a ver com a impunidade dos que torturaram antes".
 
Afastado do cargo há sete meses por motivo de saúde, Gilson Dipp não terá condições de retomar o trabalho. Ele enviará carta pedindo sua exoneração à presidente Dilma Rousseff, a quem cabe nova nomeação. Dipp, de 68 anos, foi internado em setembro por uma crise de asma, que se agravou e evoluiu para uma pneumonia. Posteriormente, ele precisou passar por uma cirurgia no abdômen.
 
Ontem, o Ministério Público Federal em São Paulo denunciou, pelo crime de ocultação de cadáver do estudante Hirohaki Torigoe, morto em 1972, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do Destacamento de Operações Internas de São Paulo (DOI-Codi-SP) no período de 1970 à 1974.
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