02/03/2015 - 13:38 | última atualização em 02/03/2015 - 19:16

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CNJ acolhe pedido da OAB/RJ e julgará juiz que usou carro de Eike

Correio Braziliense e redação da Tribuna do Advogado

O juiz federal Flávio Roberto de Souza, que levou para o condomínio onde mora, no Rio de Janeiro, bens apreendidos de Eike Batista e foi flagrado dirigindo um carro de luxo do empresário, será julgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pode ser aposentado compulsoriamente, com vencimentos proporcionais. O magistrado pediu ontem para entrar em licença médica. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) convocou junta para ratificar ou não o afastamento por saúde.

Os pedidos de abertura de processo disciplinar no CNJ foram feitos pelos advogados do ex-bilionário e pela seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As duas solicitações foram encaminhadas à corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, que já havia determinado que o juiz fosse afastado do caso. O juiz, responsável pelos processos contra o dono do Grupo X, levou para o condomínio dois carros de luxo - um Porsche e uma Range Rover - e um piano de cauda apreendidos na casa de Eike.

A OAB do Rio acusa o magistrado de improbidade administrativa e de ter violado "os princípios da legalidade, imparcialidade e moralidade que devem nortear a vida do servidor público". A OAB argumenta que não há na lei ou nos manuais do CNJ nenhum amparo para o juiz "usar e fruir dos bens".

Os advogados questionam se a conduta seria a mesma se, em lugar de um Porsche, o veículo apreendido fosse um Monza 1987, e respondem: "é óbvio que não". "Resta claro que o magistrado deixou-se levar pela vaidade e pela opinião que tem sobre o réu e seus bens quando tomou a decisão", diz o pedido enviado ao CNJ. "O ato revela em si uma soberba da autoridade pública que acha que tem poderes ilimitados e que pode usá-lo mesmo contra as determinações legais."
 
Além dos advogados, o magistrado também foi criticado por colegas e membros do Ministério Público. As três entidades que representam os juízes condenaram o uso dos bens e as declarações de Souza. "Diferentemente do que afirmou o juiz federal Flávio Roberto de Souza, não é usual e constitui ponto fora da curva, sem trocadilho, que qualquer juiz utilize bens apreendidos judicialmente em proveito próprio", diz nota da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirma que a utilização de bens apreendidos pela Justiça é "conduta vedada a qualquer magistrado e, em hipótese alguma, condiz com a postura usual e ética dos juízes brasileiros. Já a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) diz que "não corresponde à realidade a informação de que seria normal a utilização de veículos pelos próprios juízes responsáveis pela apreensão dos bens nos processos".

O presidente da Anamatra, juiz Paulo Schmidt, ex-conselheiro do CNJ, diz que "para dar uso a um bem apreendido, é preciso que haja interesse público. Por exemplo, um barco poderia ser usado por uma vara itinerante. Um veículo blindado poderia ser usado para proteção de juízes. Mas normalmente quem decide isso não é o próprio juiz, mas uma instância superior".

Desgaste
 
Para o presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, as atitudes do juiz prejudicam a imagem do Brasil. "Esse caso diz respeito ao mercado de ações. Investidores do mundo todo têm interesse nisso. Essa galhofa repercute fora do país. Passamos a imagem de que investir no Brasil é cair numa arapuca. Por isso, o magistrado tem de ser imediatamente afastado".

Felipe Santa Cruz explica ainda que caso o juiz seja punido, a maior punição que receberá será a aposentadoria com vencimentos integrais. Ele criticou a demora na elaboração de uma nova Lei da Magistratura para corrigir distorções. "O Judiciário é o primeiro a entrar no regime de exceção e último a sair. Parece que o nosso Judiciário não saiu ainda da ditadura. Onde está a nova Lei de Magistratura? O Judiciário não dá início aos debates. A conduta desses juízes joga por terra a credibilidade", afirmou.
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