29/02/2016 - 11:55

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Caso exemplar da falência do sistema penitenciário

jornal O Globo

A reportagem Masmorra em Água Santa, publicada no O Globo quarta-feira passada, mostrou um drama para quem está dentro e fora do Presídio Ary Franco. Os presos amontoados em galerias subterrâneas com ratos, morcegos e insetos dificilmente voltarão ao convívio social recuperados. Pelo contrário, o mais provável é que, em tais condições, se tomem ainda mais perigosos do que quando ingressaram no sistema penitenciário, uma escola do crime, como se diz. Pior para eles e para a sociedade.

Como regenerar alguém em ambiente tão dantesco quanto o do Ary Franco? A lotação - de 1.854 no início do mês - é o dobro da capacidade, e as condições são as piores possíveis. São mais regra do que exceção, pois outras penitenciárias têm os mesmos problemas. Após vistoria em Água Santa, o juiz Eduardo Oberg ficou 20 dias no CTI devido a uma histoplasmose pulmonar, causada por inalação de esporos de um fungo das fezes de morcegos, provavelmente contraída na visita.
 
Como em todo o país, não há perspectiva de alívio na superlotação no Ary Franco. Medidas que devolveriam à sociedade presos recuperados ficam no papel. Segundo agentes penitenciários, a facção criminosa que domina a unidade impede que os detentos trabalhem para ter direito à redução do tempo de condenação.
 
A lentidão da Justiça colabora para abarrotar ainda mais unidades onde milhares estão encarcerados desnecessariamente. O Ary Franco, por exemplo, é uma cadeia pública e deveria abrigar só presos temporários, de passagem para outras unidades ou com penas curtas. Mas a maioria está ali há mais de um ano.
 
Além disso, a decisão correta do STF de mandar para a prisão os réus já condenados em segunda instância tende a agravar a superlotação. São 600 mil presos e um déficit de 231 mil vagas, segundo o Ministério da Justiça.
 
Nesse universo estão os presos provisórios, 43% da massa carcerária, a maioria por envolvimento com entorpecentes. A nova Lei das Drogas, embora bem-intencionada, agravou a situação, já que virou instrumento para mandar para a prisão qualquer um apanhado com alguma quantidade de entorpecente, deixando a cargo do policial determinar se era para consumo próprio. De sua adoção, em 2006, a 2013, o número de presos por causa de drogas quadruplicou: de 31,5 mil para 138,3 mil.
 
É urgente que os responsáveis por fazer e aplicar as leis atuem para que se mantenha preso apenas quem, de fato, precisa acertar contas com a Justiça e oferece perigo à sociedade. A execução penal precisa ser mais ágil para que não continue na cela quem já cumpriu pena e quem ainda sequer foi processado.
 
Só assim as prisões deixariam de ser masmorras e passariam a ressocializar condenados efetivamente. Mas, onde quem dita as regras são as facções criminosas, isso é missão impossível.
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